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Os sinais de alerta são muitos e as famílias de hoje estão tantas vezes demasiado ocupadas que não os conseguem perceber. É verdade que vivemos a um ritmo insuportável, com o trabalho dos pais e a escola dos filhos a absorverem toda a atenção, sempre com uma pressão imensa. Isto será mais evidente nas grandes cidades, mas é uma realidade nacional.
São as contas para pagar e o desgaste do vaivém casa/trabalho, que levam tantas vezes os pais a desistirem de uma conversa à volta da mesa, sem telemóveis ou uma televisão que desvie a atenção de todos. Numa cabeça cheia de cansaço já não cabe essa parte, diria eu, saborosa de uma gargalhada que se partilha com os sabores que embalam o regresso da família ao ninho. É toda uma nova realidade.
O tempo em que os filhos se fecham no quarto, agarrados à net e a uma ilusão que está muito longe da realidade. Sem qualquer supervisão, causa sempre danos, que não sabemos perceber, nem conseguimos resolver.
O caso de Vagos, confesso, deixou-me perturbado. Que vida é esta a nossa, onde um filho de uma família de classe média alta, instruída e aparentemente feliz, pega numa pistola para matar a mãe e tenta depois simular um assalto? Onde é que estamos todos a falhar?
Podemos empurrar responsabilidades para o lado, a começar pela escola, e não perceber que a solução para famílias mais funcionais e crianças mais completas e felizes passa muito pelos pais. Passa por nós.
Obviamente, a escola tem aqui um papel, muito importante, mas não chega. O debate sobre o uso dos telemóveis nas escolas já nos mostrou que a proibição devolveu a alegria aos recreios, fez os alunos mudarem de atitude e partilharem tudo em espaços onde antes nem sequer se conheciam e imperava o silêncio, com todos de olhos nos ecrãs.
Um professor contou-me que na escola dele havia uma mesa de ping-pong com uma caixa de bolas, que estavam ali, novas, há anos. Um dia, esse em que acabaram os telemóveis, os alunos descobriram a mesa, as bolas, o jogo, a emoção da partilha. Agora, tem de andar sempre a comprar novas bolas e a arranjar a mesa que se cansa de tanto jogo. Fica mais caro, mas eles estão mais felizes. Parece simples, mas é isto.
Sabemos que em casa há um esforço grande para limitar este acesso perigoso a uma tecnologia que leva as crianças, os jovens e os menos jovens para um mundo irreal, onde tudo se torna mais violento e perigoso. O diabo não são as tecnologias, mas sim a forma como as deixamos tomar conta da nossa vida real. Como diz o chavão, o sim ou não de permitirmos que a nossa vida, a nossa família se transforme, está tantas vezes à distância de um clic. Lembrando a máxima que ainda está nas paredes de alguns cafés, daqueles onde se come bem e há cerveja na temperatura certa: "Não temos wi-fi", conversem e bebam.
