O termo é, obviamente, contraditório: a base da diplomacia está na proximidade, na cooperação, num mínimo de confiança e no compromisso. Mas Trump tem sido tudo menos isso em relação ao Irão: prefere coagir, isolar, ameaçar e diabolizar. A tensão é cada vez maior - mesmo que esta seja uma guerra que ninguém deseja.
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"Se o Irão quer lutar connosco, isso será o fim do Irão"
DONALD TRUMP, Presidente dos EUA,
Donald Trump escolheu um caminho demasiado perigoso para lidar com o Irão.
Está a fazer tudo para isolar Teerão, pretende a capitulação ou mesmo a deposição do regime teocrático, mas o seu plano parece cingir-se à destruição de um acordo nuclear multilateral que tinha muito mais virtudes que problemas e à aplicação coerciva de sanções.
Com Kim Jong-Un tentou todo o tipo de "benesses" para conseguir um acordo histórico - mesmo que a Coreia do
Norte se mostre muito pouco interessada em desnuclearizar.
Mas, com o Irão, o comportamento trumpiano tem sido exatamente ao contrário: apesar dos iranianos terem cumprido o Acordo Nuclear assinado em 2015, Trump fez tudo para diabolizar as posições de Teerão e exagerou no diagnóstico da ameaça, abrindo um jogo com cartas viciadas de início.
Trump está a fazer "diplomacia coerciva" com o Teerão.
O termo é, obviamente, contraditório: a base da diplomacia está na proximidade, na cooperação, num mínimo de confiança e no compromisso.
Mas Trump tem sido tudo menos isso em relação ao Irão: prefere coagir, isolar, ameaçar e diabolizar. A tensão é cada vez maior - mesmo que esta seja uma guerra que ninguém deseja.
Donald Trump escolheu o Irão como inimigo principal por duas razões negativas: pela obsessão que tem de destruir o melhor legado de Obama e por rejeitar os benefícios dos acordos multilaterais.
Ao rasgar, há um ano, a presença americana do Acordo Nuclear do Irão, Trump foi coerente pelas piores razões.
O acordo assinado em 2015 foi globalmente positivo: colocava o Irão na solução, permitia a fiscalização da Agência Internacional de Energia Atómica, sendo que até agora não havia sinais de incumprimento por parte de Teerão.
Rohani representa o lado mais moderado do regime iraniano e, com o acordo, havia perspetivas de recuperação económica de uma nação muito jovem, forte e diversa.
Mas Trump preferiu encostar o Irão ao aperto das sanções, reduzindo-a ao regime dos aiatolas e à Guarda Revolucionária (agora declarada pela administração americana como organização terrorista).
E isso não melhora nada: a política de Trump em relação ao Irão aumenta a ameaça nuclear iraniana, em vez de a diminuir - e isso não é proteger os interesses americanos, ao contrário do que propala o atual inquilino da Casa Branca.
A diabolização do Irão por parte da Presidência Trump surge em contraponto com a Arábia Saudita, o grande aliado dos EUA de Trump no Médio Oriente.
Enquanto o Daesh não foi derrotado no Iraque e na Síria, diabolizar o Irão não fez grande sentido - afinal de contas, norte-americanos e iranianos tinham como objetivo comum eliminar a ameaça real do Estado Islâmico, grupo extremista sunita.
Mas a aliança de Trump com a Casa de Saud, principal rival do Irão xiita no mundo muçulmano, ditou uma alteração de coligações na região: Trump pôs as fichas todas numa conjugação de interesses entre EUA, Arábia Saudita e Israel, com Jared Kushner e o príncipe saudita Mohamed Bin Salman como pivôs de uma estratégia disruptiva.
A mudança da embaixada dos EUA em Israel de Telavive para Jerusalém (e consequente reconhecimento da cidade santa como capital israelita) foi um outro sinal de que a Administração Trump abdicou de se tornar num mediador e assumiu, sem pudor, o lado israelita como único que os EUA passaram a defender verdadeiramente. Isolar o Irão ajuda a avalizar esta estratégia - sobretudo quando se tem a Arábia Saudita tão próxima.
O Acordo Nuclear assinado em 2015 por Obama e Rohani (e também por Putin e pelos principais países europeus) acrescentava instrumentos tão positivos que, mesmo com um Presidente americano tão hostil a esta via multilateral e de distensão com Teerão como é Trump, todas as restantes partes envolvidas estão a fazer os possíveis para o preservar.
Em política, o "timing" é tudo
Se, durante o próximo ano, o cenário de uma possível derrota de Trump em 2020 ganhar força, é de admitir que o Acordo Nuclear sobreviva.
Rohani apostou muito do seu crédito político interno no sucesso deste acordo -- e sabia que o trunfo do levantamento das sanções económicas podia ser decisivo. A eleição de Trump pôs este caminho em risco.
Para a narrativa da Administração Trump dará imenso jeito se o Irão radicalizar a sua posição e voltar a falar no "Grande Satã" de Washington - mas depois do modo como a Administração Trump tratou o Irão nos últimos dois anos, a intenção iraniana de sair do acordo será uma consequência e não a causa da hostilidade americana.
A dramatização imprimida pela Administração Trump, com o recente episódio de solicitar aos funcionários de agências do Governo americano no Iraque que não estejam ligadas a missões de socorro e assistência médica que abandonem território iraquiano por suposta ameaça de milícias xiitas ligadas ao Irão, aponta para um roteiro de escalada de tensão que não deverá ser desvalorizada.
Depois de tudo o que Trump, Pompeo e Bolton disseram sobre o Irão, será fácil esperar de Teerão uma reação agressiva que leve a atual administração americana a a dizer: "Viram? Nós avisámos!"
Mas essa dramatização parece interessar muito mais à Administração Trump que ao governo de Teerão.
Basta ver o aviso feito ontem pelo embaixador iraniano em Londres, Hamid Baeidinejad: "Estamos preparados para qualquer eventualidade. Os EUA estão a jogar um jogo
muito perigoso, ao tentarem arrastar o Irão para uma guerra absolutamente desnecessária".
O "bullying" diplomático feito por Trump junto dos países europeus, de modo a que estes sigam as sanções económicas impostas ao Irão, colocam a Europa no paradoxo de ficar mais próxima da posição iraniana do que norte-americana.
Quem diria?