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Diplomacia com diplomacia de paga, prova de que os estados não têm amigos, mas antes aliados e interesses. Perante a suspensão argelina do Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação com Espanha (8 de Junho), a Mauritânia acionou no dia 15 de Junho tratado da mesma natureza com a Espanha, que tinha na gaveta desde 2008. Histórico deste percurso:
Assinado a 24 de Julho de 2008, aquando de uma visita oficial a Espanha do primeiro Presidente (PR) civil eleito na Mauritânia, Sidi Ould Cheikh Abdallahi (1938-2020), o Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação entre os dois países, nunca entrou em vigor por via do golpe militar de 6 de Agosto de 2008 (Mauritânia), duas semanas após a sua assinatura. O agora PR Mohamed Ould Cheikh El Ghazouani, encontrava-se em visita oficial a Espanha (16 a 18 de Março último), quando no último dia da mesma o Primeiro-Ministro espanhol, Pedro Sanchez, anunciou o apoio do seu Governo ao plano de autonomia marroquino para o Sahara em disputa com a POLISARIO. Ghazouani terá ficado com esta na manga e esperou pela reacção argelina e no Conselho de Ministros de dia 15, tirou finalmente da gaveta e activou este tratado de 2008. O que é que isto significa para Espanha? Pouco, muito pouco, já para Marrocos significa que o seu vizinho sul, em tempos também parte interessada no território em disputa, o apoia incondicionalmente na confirmação de um Sahara Marroquino, em vez de um Sahara Ocidental, como comummente é conhecido.
Por outro lado, para a Mauritânia também significa uma tomada de posição importante no contexto securitário do Sahel Ocidental, após a retirada unilateral do Mali do G5-Sahel, a coligação regional que combate o jihadismo islamista nesta sub-região. Enquanto único país da coligação com acesso ao mar, a Mauritânia dá cada vez mais sinais de que quer uma preponderância no remanescente "G4" (Mauritânia, Níger, Burkina Faso e Chade).
A Argélia na procura de "peças sobressalentes"
Decorrendo do assinalado "desamigar" argelino com Espanha, a primeira decretou um boicote total às importações com origem no nosso vizinho mais próximo. As implicações são óbvias e o empresariado argelino procura agora substitutos para o fornecimento de papel, cartão e diversos produtos químicos, todo o tipo de utensílios domésticos e electrodomésticos, derivados do ferro, diversos óleos vegetais e animais, carne (viva e embalada), colorantes, conservantes, plásticos, materiais para embalagens e loiça de casa-de-banho. À atenção do nosso AICEP e das câmaras de comércio já que, "enquanto uns choram outros vendem lenços", como diz o povo!
Marrocos desmente uma morte anunciada
Assinalado aqui há uma semana o silêncio real por parte de Mohamed VI, desde que chegou a Paris no passado Primeiro de Junho, o mesmo foi vítima de crescentes boatos no tweeter que o davam como morto. Coube ao seu médico pessoal, Lahcen Belyamani, desmentir este acto de desinformação no dia 16, confirmando que o monarca se encontra recolhido e incontactável por ter contraído Covid-19. Quanto à gestão da pandemia no reino, o cenário actual é em tudo equivalente ao que se verifica em Portugal, quanto a medidas restritivas, liberdades e novas infecções. A vida voltou finalmente ao normal, preparados para mais um Verão à porta.
Burkina-Faso: Santo António sangrento
No fim-de-semana de Santo António, enquanto nos queixávamos do preço das sardinhas e das minis, o distrito norte de Seytenga, na fronteira Burkina-Níger, registou-se mais um ataque "toca-e-foge" por parte dos jihadistas com base na fronteira tripartida entre Mali, Burkina e Níger, "espaço de transumância" da Al Qaeda do Magrebe Islâmico (AQMI) e do Estado Islâmico (EI). Contabilizados 79 mortos, há a assinalar um novo modus operandi destes assassinos, já que as vítimas são exclusivamente homens e passado uma semana, ainda nenhum dos múltiplos "grupos de aldeia" afiliados a estas duas nebulosas terroristas federadoras do Sahel, reivindicou esta acção sem objectivo político concreto. A crescente instabilidade na região tem também evidenciado uma nova tendência, um sentido sul para os alvos destes ataques, Togo (já dois este Junho) e Benim (Dez. 2021 e Fev.2022), com o objectivo de chegarem ao mar, Golfo da Guiné.
A Acontecer / A Acompanhar
Lançamento do livro "As ameaças não violentas do islamismo radical - O Hizb ut Tahrir na Grã-Bretanha (1986-2015)", de Francisco Jorge Gonçalves, pela Diário de Bordo, às 18.30h do dia 23 de Junho, no Grémio Literário Português, ao Chiado.
Raúl M. Braga Pires
Politólogo/Arabista
O Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.