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1.
O direito à habitação em Portugal está consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa e, desde 2019, na lei de bases da habitação que destaca o direito à habitação como um direito fundamental de todas as pessoas. Contudo, no ano de 2021, foram contabilizadas em Portugal mais de 38 mil famílias a viver em situação de habitação indigna, segundo dados do Ministério das Infraestruturas e da Habitação.
Segundo dados do IHRU, sabe-se também que, desde 2018, houve um aumento de mais 11.456 novas residências precárias e informais, o que é mais um indicador do aumento de famílias em Portugal a viver em condições extremamente precárias.
A pandemia contribuiu para o empobrecimento de milhares de famílias. A inflação e a atual crise instalada, contribuirá com outras tantas ou mais, não sabemos. A maior parte das famílias a viver nestas condições, são a base importante que segura a pirâmide de uma economia sustentada com baixos salários em serviços, no turismo e na agricultura.
Ricardo Costa Aragez no seu ensaio sobre "Habitação apoiada em Portugal" para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, refere que existem 735 mil casas vagas em Portugal, o que corresponde a 17 vezes o número de famílias necessitadas de realojamento em Lisboa.
Ou seja, existem casas para todas as necessidades. Algumas das vazias até pertencerão ao Estado.
2.
Mas no que diz respeito à habitação, pelo menos parte do governo tem feito esforços:
Há algum tempo o secretário de estado da internacionalização em visita aos Estados Unidos contou à imprensa uma conversa com uma empresária americana:
- Conhece Portugal? - A senhora respondeu que sim, que esteve cá há pouco tempo de férias e gostou tanto que comprou uma casa. Percebeu-se que o secretário de estado ficou contentíssimo.
Semanas mais tarde li uma entrevista do mesmo secretário de estado no âmbito do Salão do Imobiliário e do Turismo de Portugal em Paris, em que o governante defendia que Portugal não se pode fechar à vontade crescente dos franceses de se mudarem para Portugal.
O relatório de agosto da Casafari reporta um preço médio de venda por m2 em Lisboa, superior ao de Madrid, de Barcelona ou de Milão. Na Europa, só Paris lhe fica à frente.
O governo e as contas do Estado lucram muito com negócios imobiliários milionários. Mas ser secretário de estado da internacionalização é bem diferente de ser secretário de estado da internacionalização imobiliária. Vender casas de luxo é uma coisa muito diferente de atrair investimento estrangeiro ou de exportar produção portuguesa.
3.
O acesso ao primeiro direito que é a habitação, é hoje um problema não apenas para famílias mais pobres, mas também para a classe média e para os estudantes. A autoconstrução, a compra ou o arrendamento representa um esforço enorme e cada vez maior para estas pessoas.
É compreensível: habitação acessível não rende tanto às imobiliárias nem rende tanto em impostos ao Estado.
Mas há um imperativo que cabe ao Governo: a rapidez e o empenho que coloca no mercado imobiliário de luxo, necessita também de colocar em políticas públicas que regulamentem e a encaminhem o mercado para dar soluções de habitação acessível, seja para arrendamento, seja para autoconstrução, seja comprar.
Os programas do Estado de apoio à habitação - esse primeiro direito - não estão a ser rápidos, nem eficazes e estão a deixar muitas pessoas de fora, A secretaria de estado da habitação está a perder para a secretaria de estado da internacionalização... imobiliária.
Nada contra as casas de luxo. Mas como as coisas estão, luxo, hoje em dia.. é ter uma habitação condigna.