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Todos reconhecemos que o pluralismo é fundamental no espaço público. A democracia alimenta-se de um espaço público em que diferentes perspetivas sobre o bem comum se podem exprimir e contrastar. A diversidade fomenta esse pluralismo. Diferentes origens e trajetos de vida conferem frequentemente uma perspetiva diferente sobre o mundo e, logo, enriquecem o nosso conhecimento desse mundo. Ainda hoje me recordo de numa visita ao Sri Lanka (o "nosso" antigo Ceilão) ler um artigo num jornal local que apresentava uma visão totalmente diferente daquela que eu conhecia da presença portuguesa naquele território. É por isso que sou sempre sensível aos argumentos que defendem maior diversidade no nosso espaço público, seja diversidade de género ou etnia. Isso é diferente de reconhecer uma autoridade superior a quem exprime uma ideia só em virtude desse género ou etnia. Não acho que o facto de ser mulher atribua a uma mulher a autoridade de definir o que é a verdade sobre as mulheres, da mesma forma que não reconheço o contrário a um homem. Mas é verdade que uma mulher tem, em muitos aspetos, uma experiência da vida diferente da de um homem. Isso não a coloca mais ou menos próxima da verdade. Mas todos ficamos mais próximos da verdade quanto mais essas diferentes experiências de vida forem tidas em conta no nosso espaço público. A justificação para uma maior diversidade no espaço público não reside, para mim, na necessidade de garantir, em si mesmo, um equilíbrio entre géneros ou etnias. Reside sim, no facto dessa diversidade promover mais pluralismo e nos colocar assim mais próximo da verdade.
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Ironicamente, muitos dos que defendem esta diversidade fazem-no porque não acreditam na verdade. Acham que esta não existe, sendo uma mera construção social de quem tem o poder. A batalhar por uma maior representatividade de um certo grupo é, neste caso, concebida como uma forma desse grupo reequilibrar, ou mesmo conquistar, esse poder. No meu caso, continuo a acreditar que, sendo a verdade sempre contextual e contestável, a sua busca é fundamental ao processo de procura do bem comum em que uma democracia tem de assentar. O que entendo é que ficamos mais próximos disso com um espaço público mais diversificado e plural.
Uma objeção frequente é que não podemos colocar a preocupação com essa diversidade à frente do mérito. É verdade que há quem defenda quotas de género e de etnias independentemente do mérito. Tratar-se-ia de corrigir discriminações passadas contra esses grupos ainda que isso conduza a discriminar hoje contra os membros de outros grupos. Isto seria, no entanto, compensar discriminações passadas com novas discriminações hoje. Não acredito nesta tese pois não acredito que, nem no passado nem hoje, alguém deva ser discriminado em função do grupo a que pertence. Mas isso não significa que as quotas não possam ser, em certos casos, justificadas. Não para corrigir uma discriminação com outra discriminação, mas como forma de corrigir uma prática discriminatória. A verdade é que há processos de decisão que estão estruturalmente enviesados. Nestes casos, as quotas podem servir para corrigir esse enviesamento ao forçar uma alteração desses processos e a sua transição para práticas menos discriminatórias.
Algo de semelhante ocorre a propósito da discussão sobre a presença de mulheres no nosso espaço público: em conferências ou na comunicação social. Ouço com frequência que não há mulheres para um certo tema ou com um certo perfil. Mas a verdade é que, em muitos casos, não se trata de não existirem, mas as desconhecermos. Se o espaço público é dominado por homens é normal que sejam esses os nomes que nos ocorrem a cada nova iniciativa ou projeto. Isto cria um ciclo vicioso. A única forma de o combater é fazendo um esforço permanente para procurar essa diversidade. Nem sempre será possível, nem será simétrica ou absoluta. O pluralismo não é um produto da matemática. E a diversidade deve ser guiada pelo mérito. Mas esse esforço tem de ser feito. Não se deve confundir o mérito com o resultado de u ciclo vicioso decorrente de um enviesamento histórico.