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Não vale a pena multiplicar análises acaloradas sobre se o plano do Governo para apoiar as famílias é muito ou pouco ambicioso, um copo meio cheio ou um copo meio vazio. Há argumentos úteis em defesa de qualquer uma das teses. Claro que todos gostaríamos que ele fosse mais longe, redistribuindo na globalidade as receitas extraordinárias geradas pelos valores anormais atingidos pela inflação. Mas é igualmente defensável considerar que uma visão de estabilidade a médio prazo, dada a fragilidade das contas públicas, aconselha passos seguros, eventualmente acelerando a redução da dívida pública. É uma opção e a política é precisamente a arte de fazer escolhas. Não há, contudo, decisões absolutas e definitivas e a política é também, muitas vezes, a arte de admitir erros e de corrigir trajetórias.
Por muito que na globalidade possa elogiar-se o arrojo de algumas medidas diretas de distribuição de apoios, será difícil para o Governo manter a narrativa de que os pensionistas são abrangidos por medidas extraordinárias. A já tão comentada "habilidade" contabilística, ao antecipar em meia pensão parte do aumento devido por lei aos pensionistas, redunda a médio prazo em perda efetiva de rendimentos.
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A pensão média ronda, em Portugal, os 509 euros. Esse é pelo menos o valor oficial mais atualizado fornecido pela Segurança Social, referente ao ano 2021. Não vale a pena fazer grandes comentários porque os números são por vezes de uma dureza cristalina. Todos os que estamos habituados a gerir e pagar contas, uma renda, uma despesa inesperada, sabemos quanto valem 509 euros. Ao mudar a base de cálculo para aumentos futuros, a pensão média de 509 euros sofrerá, em 2024, uma perda de 254 euros. Essa perda é progressiva e pode chegar aos 1400 euros anuais numa pensão de três mil euros.
Claro que todas estas contas têm uma parte de especulação, já que não sabemos que caminho irá o Governo seguir para o futuro. Mas é já possível perceber que a revisão do diploma do histórico socialista Vieira da Silva terá como objetivo travar subidas futuras e conter a despesa da Segurança Social. Eventualmente com consequências noutras prestações sociais, dos abonos ao subsídio de desemprego, uma vez que o mesmo diploma define a fórmula do Indexante dos Apoios Sociais (IAS) e a ministra do Trabalho e Segurança Social esquivou-se às perguntas dos jornalistas sobre esta matéria.
A questão da sustentabilidade da Segurança Social é antiga e joga-se tanto do lado das regras de cálculo como na criação de novas fontes de financiamento. Esta subida da inflação acelera o agravamento do cenário e António Costa aflorou o tema, invocando um "contrato entre gerações". O ministro das Finanças foi um pouco mais longe, abordando expressamente a sustentabilidade e a necessidade de equilibrar as respostas aos atuais pensionistas e a proteção dos mais jovens.
O tema é complexo, claro. Mas então sejamos claros. Digamos aos portugueses, e em concreto aos pensionistas, que o momento é de rever contas e de baixar as expectativas para os próximos anos. O que não faz sentido é insistir em classificar como apoios extraordinários medidas que penalizam, no futuro, os seus destinatários.
