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Líbano, verão de 2006.
O último grande conflito entre Israel e os seus odiados vizinhos foi em 2006. Um verão quente. O Hezebollha disparou foguetes do sul do Líbano para o Norte de Israel. Fui enviado especial a este conflito. Também nessa altura a cúpula de ferro deixou escapar artilharia, que acabaria por atingir Haifa, em Israel, e outras cidades e vilas mais pequenas e mais próximas da fronteira com o Líbano.
A resposta de Israel foi, como sempre, demolidora. Uma chuva de mísseis, rockets e peças de artilharia que arrasaram tudo o que estava entre o Rio Litani e a fronteira. A ideia dos israelitas era a de criar uma zona tampão, de modo a não permitir que os ataques do braço armado do Partido de Deus atingissem território hebreu. Nessa altura, já os israelitas disparavam com precisão, destruindo alvos previamente identificados e conseguia, com facilidade, distinguir escolas, hospitais e outros serviços públicos de casas particulares. Também nessa altura, os militantes e militares do Hezebollha estavam misturados entre a população. Não tinham quarteis nem instalações militares na verdadeira asserção da palavra. Armamento e treino, reuniões e encontros eram feitos em casas de particulares ou, então, nas traseiras de escolas, nas caves de hospitais, em qualquer lugar civil, nunca identificado como pertencendo ao grupo terrorista islâmico.
Aliás, o Hezebollha criou, no sul do Líbano, um estado dentro do estado. A fragilidade política de Beirute, a falta de um exército numeroso, bem treinado e equipado levam a que o Partido de Deus governe o seu próprio estado, dentro de um outro estado. Tal como agora, a guerra dos israelitas não era contra o Líbano, era contra o Hezebollah.
Há memórias que guardo desse verão quente. Estradas desertas, com carros abandonados à pressa. Populações em fuga para o norte do país, com as estradas cheias de filas de carros com colchões atados ao capot dos carros. Muçulmanos que fugiam da sua terra, em busca de segurança.
A rotina era mais ou menos a mesma. Pela manhã, drones sobrevoavam o sul do Líbano. Mais tarde, aviões largavam mensagens a pedir às populações que abandonassem determinada vila ou aldeia. Por fim, os bombardeamentos em massa. Entre o Rio Litani e a fronteira israelo-libanesa já só havia terra queimada.
A propaganda do Partido de Deus era feroz contra Israel e apologética dos mártires muçulmanos, dispostos a morrer pela causa. A causa era destruir Israel e os judeus. A televisão do Hezebollha emitia em permanência imagens da destruição provocada por Israel. E mostrava, sem pudor, crianças a serem armadas e treinadas e a destilarem discursos de ódio contra o inimigo. Para lá da terra queimada, da fuga da população, do sofrimento que uma guerra provoca, o que mais me chocou foram as valas comuns e os funerais coletivos que eram muitas vezes interrompidos pelos bombardeamentos e, também, a utilização de crianças na propaganda e no combate.
Essas crianças, que em 2006 teriam seis ou sete anos são hoje, 17 anos depois, jovens adultos que cresceram a saber manusear armas, que foram treinadas para combater e ensinadas a odiar judeus. É um ciclo sem fim. Os pais deles também foram crianças educadas num caldo de cultura anti-semita, com acesso a armas e com treino militar ou paramilitar.
Nada de novo, portanto, do oriente médio.
O nosso tradutor, na despedida, ofereceu-me uma T-Shirt. Tinha escrito nas costas: «PRESS, DO NOT SHOOT». Na frente, outra mensagem, de humor em tempos de guerra: «It rained bombs this hot summer in Lebanon 06».
