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O ajuste de contas diplomático será feito a partir de 19 de Dezembro, dia seguinte à entrega da Taça aos Campeões Mundiais. Estas tensões diplomáticas não são exclusivas de Portugal, por via das declarações dos nossos dirigentes políticos, com o Presidente Rebelo de Sousa à cabeça e a falar cá e lá também. Dinamarca, Alemanha e França também estarão na mira destes árabes, que têm nos arquivos um recente pedido de ajuda energética francês e um pedido português de ajuda para a compra da dívida pública nacional, nos idos tempos da Troika. A "bomba atómica qatari" são os hidrocarbonetos, em tempos de procura de alternativas ao gás russo para a Europa. O debate não é simples e passa sobretudo por uma barganha entre continuarmos a tomar banho com água quente e Direitos Humanos. Não se pode ter tudo, mas poderíamos ter políticos que começassem por se preocupar com os Direitos Humanos em Portugal os quais começam no direito ao cidadão nacional a ter um salário digno das funções que exerce, primeira forma de valorização do indivíduo e de um sentimento de pertença a uma sociedade justa. Tomar um duche com água fria e ganhar 700 euros por mês é uma temperatura, ganhar o dobro aquece a alma e a temperatura aumenta, apesar de a água ser a mesma! O que não compreendo é este comportamento colectivo da cúpula do nosso Poder, sem estarmos em campanha eleitoral. Tudo bem espremido, o que é que o trabalhador explorado no Qatar ganhou? Viu os seus ordenados em atraso pagos? Viu finalmente o seu próprio passaporte no bolso e a possibilidade de romper com o empregador e sair do país quando quiser? O assunto ganhou visibilidade, é verdade, mas a visibilidade é sempre capitalizada pelos grandes enquanto continuam empoleirados em cima dos pequenos, para conseguirem aparecer na fotografia. Esta visibilidade, importante e de certa forma inevitável, não resolverá o problema dos Direitos Humanos no Qatar e na região, tendo até os ingredientes necessários para os agravar, já que as câmeras e os microfones têm data de saída para breve e onde não há imagem, não há notícia!
Portugal prepara lista de artefactos a devolver às ex-colónias
O Ministro da Cultura Pedro Adão e Silva, dá sinais do interesse do Governo em elaborar uma lista de património histórico e cultural trazido das ex-colónias para a Metrópole. Este debate surgiu em França em 2018, enquanto assunto de pré-campanha eleitoral do Presidente Macron e "pegou fogo" nas redes do politicamente correcto. Desde então, participei em alguns debates sobre o tema. O que é que aprendi? Que antes de devolver, acto simbólico no qual os políticos saem sempre bem na fotografia, há que saber primeiro a quem se devolve e que garantias oferecem para a segurança e conservação das peças. Caso isto não aconteça, corre-se o risco das mesmas serem roubadas e entrarem no circuito subterrâneo do tráfico de peças de arte. Menos visível que outros circuitos subterrâneos, não deixa de ser menos poderoso e tenebroso também, dado os ganhos milionários que proporciona a quem opera nos mesmos. Outro aspecto é o da conservação. Não é conveniente transferir artefactos que ao longo de décadas foram bem preservadas pelo ex-colonizador, para depois serem desbaratadas pelo ex-colonizado porque ainda não tem uma sala climatizada conveniente, ou energia suficiente para alimentar a mesma sala, todos os minutos de todas as horas de todos os dias do ano, essenciais para a boa saúde da escultura, do quadro ou de outra peça qualquer, que se não fossem os bons serviços do "malandro do branco", já nem sequer existiria!
Por último, há peças que pela importância, não podem ser consideradas propriedade de Portugal ou de outro país qualquer, incluindo o de origem. Há peças que devem ser consideradas propriedade da Humanidade e serem mantidas e conservadas por quem tenha dado provas dessa preocupação, consideração e preservação efectiva. Esta perspectiva transforma o actual "proprietário" em fiel depositário de um bem comum. Desta forma a responsabilidade deste(s) zelador(es) será ainda maior, a bem de todos.
Será importante que o Ministro Adão e Silva tenha em consideração estas considerações e não embarque numa campanha eleitoral fora de época, apenas e uma vez mais, só para ficar bem na fotografia do politicamente correcto e das novas nuances da justiça que está por fazer, para aqueles que a Nova Historiografia deixou de considerar enquanto "povos sem História".
A Acontecer / A Acompanhar
- 28 de Novembro, Jornada de Estudos: "Ai! Ou como gozar em Português", Sorbonne Nouvelle, Université des Cultures, Paris. Comité de Organização: Fernando Curopos e Egídia Souto (CREPAL).
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.