Corpo do artigo
A ida de Donald Trump a tribunal em Nova Iorque, depois de ter sido formalmente acusado num caso que envolve o suborno a Stormy Daniels, uma atriz pornográfica, é o tema do espaço de opinião de Daniel Oliveira esta terça-feira na TSF. O jornalista lembra as declarações da própria atriz que diz ter tido, há 17 anos, relações sexuais com o ex-Presidente norte-americano na expectativa de entrar num reality show por ele apresentado.
"Sabendo que os americanos, sobretudo os conservadores, perdoam fugas ao fisco, que acham um sinal de esperteza todo o tipo de vilanias mas gostam de manter as aparências puritanas, o advogado pessoal de Trump, Michael Cohen, terá passado, em outubro de 2016, a poucas semanas das eleições, 122 mil euros a Daniels para que ficasse calada. Cohen, condenado por fraude, escreveu um livro a contar os podres do homem a quem chamou de mafioso, denunciou o antigo padrinho referindo outro suborno pelo silêncio de uma modelo da Playboy. A organização de Trump pagou a Cohen, como se fossem despesas legais, para que fizesse chegar o dinheiro a Daniels", recorda Daniel Oliveira.
Este crime corresponde a falsificação de registos comerciais, uma "mera contravenção em Nova Iorque", mas Daniel Oliveira lembra ainda que o promotor de Manhattan alega que a falsificação serviu para encobrir outro crime, que é a violação da lei de financiamento de campanhas, já que o dinheiro serviu para ajudar Trump a vencer as eleições.
TSF\audio\2023\04\noticias\04\04_abril_2023_opiniao_daniel_oliveira_don´t_grab_him_by_the_balls
"Uma leitura da lei de financiamento que muitos observadores independentes acham esticada para levar a tribunal. Seguramente menos relevante do que as investigações à pressão sobre os responsáveis pelo apuramento eleitoral na Geórgia para anularem, de forma fraudulenta, a vitória de Joe Biden, ao seu papel na invasão do Capitólio ou à posse ilegal de documentos confidenciais que levou da Casa Branca para Mar-a-Lago. Se fosse considerado culpado do crime que agora lhe garante o apoio de todos os republicanos, Trump teria uma improvável pena máxima de quatro anos de prisão, mas não seria impedido de se candidatar à Casa Branca", explica o jornalista.
Este caso faz de Trump o primeiro ex-Presidente dos EUA a responder a uma acusação criminal.
"Warren G. Harding esteve perto disso, num caso de corrupção, mas morreu no cargo e Richard Nixon demitiu-se, tendo recebido de Gerald Ford o perdão. É relativamente comum nas democracias europeias julgar antigos Presidentes ou primeiros-ministros, mas é uma bomba nos EUA onde, ao contrário do que pensamos, o poder se sabe proteger melhor do que cá. Repetindo a chantagem costumeira, quer seja perante uma derrota eleitoral, quer seja perante uma decisão judicial, Trump previu morte e destruição se fosse detido", lembra o cronista.
Para Daniel Oliveira, a primeira coisa que salta à vista é o clima de traição que rodeia o antigo Presidente.
"Como acontece com pessoas como Trump, são os mais próximos a entregá-lo. O problema de quem tem falhas graves de caráter é que tende a rodear-se de semelhantes. O problema dos que se seguram à vida apenas pelo poder é que, quando começam a perder poder, ninguém os segura, mas a satisfação acaba mesmo aqui", afirma.
E não tem dúvidas de que apanhar Trump por este caso seria manter intacto o seu poder e não fazer qualquer pedagogia democrática através da justiça.
"Uma sondagem recente diz que 87% dos democratas consideram as investigações justas, 80% dos republicanos veem como uma caça às bruxas e os independentes dividem-se a meio, ou seja, fica tudo na mesma num país dividido. Donald Trump aproveitará o dia de hoje para uma ação de vitimização de forte impacto no eleitorado republicano, que é o que lhe interessa para uma campanha nas primárias. Neste caso não será muito difícil. Mostrando que a falta de nível funciona como íman entre pessoas, a mulher que acusa Trump diz que o viu nu e é impossível ele ser mais assustador vestido", prevê Daniel Oliveira.
Para finalizar, Daniel Oliveira recorda a famosa frase "We can grab 'em by the pussy", dita pelo homem que presidiu à mais poderosa potência mundial.
"A frase é suficientemente famosa para não precisar de tradução. Sobre o homem que tentou vencer as eleições, uma fraude, e não conseguindo quis atirar o país para o caos, incentivando à ocupação da casa da democracia, os americanos não podem dizer 'grab him by the balls'. Os crimes de Trump foram contra a democracia. É por eles que tem de ser apanhado. Tentar seguir atalhos que acabam sempre na cama de políticos não defende a democracia. Até a fragiliza", remata o jornalista.
Texto: Cátia Carmo