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Dorgelesse é uma mulher que sempre sonhou ter o seu próprio salão de beleza para assim dar sustento à sua família.
É mãe sozinha, trabalha como cabeleireira e em 2020 iniciava a aventura de expandir o seu negócio para incluir serviços de manicure.
É mãe sozinha e de sonhos simples.
É nela sobre quem cai a responsabilidade de sustento e criação da sua família. É dela porque não existe mais ninguém na família que possa ter este papel. O seu filho já fez 18 anos, mas sofre de anemia falciforme. Uma anemia grave e com sintomas como a febre e a falta de ar com dores nos ossos longos, no abdómen e no tórax. É uma doença incapacitante se não tratada.
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E neste momento não está a ser, pois Dorgelesse está presa, desesperada por se juntar à família e retomar o trabalho que a possa sustentar e dar cuidados de saúde ao filho.
No dia 22 de setembro de 2020 esta mãe preocupada com o futuro, preocupada com as dificuldades económicas da sua família, dos seus vizinhos e amigos, juntou-se à primeira manifestação da sua vida.
Foi uma manifestação na cidade de Douala, nos Camarões, cidade onde os portugueses chegaram nos finais de quatrocentos e que no século XVII era já um enorme centro de comércio de escravos que, agrilhoados, aí embarcavam para outras paragens.
Esta mulher, de origens humildes, a quem a vida nunca deu descanso, nunca conseguiu sequer ser politicamente ativa.
Aos pobres, parece ser sempre negado este direito natural à participação na democracia, pois o desespero da sobrevivência não admite intervalos.
Mas desta vez, as suas preocupações sobre o estado da economia no país motivaram-na a participar naquele dia.
Pouco depois da manifestação começar, as autoridades não acolheram as preocupações com escuta, mas sim com repressão enviando as forças de segurança equipadas com armas, balas de borracha, gás lacrimogéneo e canhões de água.
Centenas de pessoas foram detidas e Dorgelesse foi uma delas. Ficou presa durante vários dias numa cela com condições de miséria com mais 22 pessoas.
Foi acusada de "insurreição, reunião, encontros e manifestações públicas" e julgada como se pensar, falar, manifestar-se pacificamente fosse um crime. Foi condenada a 5 longos anos de prisão e nesta altura está presa e a aguardar que um recurso seja apreciado.
Enquanto isso não trabalha, não tem rendimentos, a sua família desespera e sofre a doença do filho. Ela não tem mais que o tempo na cela para ver a família a definhar.
Esta mulher é um exemplo para todos nós, na dignidade da sua missão de vida, na dedicação à sua família, ao seu trabalho, aos seus sonhos simples e queridos.
Por ter ousado sonhar mais, por ter ousado sonhar um mundo melhor ela não tem de ser presa, tem de ser homenageada.
A Amnistia Internacional tem uma petição a decorrer por ela no projeto "maratona de cartas". E a par da petição, a par de cada uma das nossas assinaturas tão valiosas, temos a esperança de que em breve ela volte a abraçar o filho, a comprar-lhe a medicação. Temos a esperança de que em breve ela volte pela manhã cedo a abrir a porta do seu salão de beleza e aí, enfim, volta ao seu sonho digno de fazer do mundo um sítio mais belo. Tal como faz aos seus e às suas clientes quando entram no seu estabelecimento.
