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Conheci o Sr. António, chamemos-lhe assim, à beira do seu casebre feito com alguns tijolos e um pouco de cimento a uni-los. O telhado era de zinco e as portas e janelas eram frágeis, feitas por ele, com os materiais que tinha: vidro, madeira, pregos e zinco.
Era já idoso quando o conheci e estava de malas à porta. O bairro onde viveu desde que chegou a Portugal há mais de 40 anos, estava a ser demolido e as máquinas estavam prontas para demolir a sua.
Aquela casa era tudo o que ele tinha. Trabalhou toda a sua vida e tudo o que ganhou nunca chegou para que conseguisse sair dali e ir viver para melhor sítio, em melhor casa.
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Perdi o rasto ao Sr. António. A casa dele já foi demolida e não sei dele. Não sei se se tornou sem abrigo, não sei se está vivo.
Fiz perguntas à Câmara Municipal da Amadora, que foi quem mandou demolir a casa e a quem competia já ter realojado o Sr. António quando a demolição viesse a acontecer.
Mas de lá, os pedidos de esclarecimento escondem-se e empurram-se de gabinete em gabinete sem de lá ninguém querer, ou saber dizer nada.
A habitação é um dos maiores problemas de Portugal. Afeta os mais pobres de entre os pobres, mas já a classe média, famílias em início de vida ou estudantes deslocados são também afetados pois não têm como lidar com despejos, com a especulação ou com compras de casa em que as taxas de juro e a inflação já se adivinham dificultar ainda mais.
As iniciativas legislativas e a implementação das mesmas podiam ser solução boa, mas são mais lentas que o crescimento do problema. Assim, deixa de ser boa a solução e passa a desadequada.
Além da habitação e da pobreza - essa raiz pesada de todos os tipos de discriminação - o racismo e o preconceito, a desigualdade de género e a violência doméstica, as condições indignas de algumas prisões e o tratamento que é dado às pessoas reclusas foram alguns dos destaques sobre Portugal que o relatório da Amnistia Internacional sobre o "Estado dos direitos humanos no mundo" publicou esta semana.
Estes destaques são as marcas a que o governo, iniciado nas suas funções também esta semana, tem de prestar atenção urgente. O Sr. António já não tem mais tempo.
É a pobreza que tem de desaparecer, não os pobres.