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Quem ontem tivesse ouvido as notícias teria ficado a pensar que o país já não vive em estado de calamidade, que a pandemia foi vencida e que o processo de desconfinamento foi um êxito. Na verdade, o dia de ontem foi integralmente preenchido com o tema das presidenciais e da remodelação do Ministro das Finanças.
No dia em que o Presidente da República e o Primeiro-Ministro de novo se encontraram, ficámos a saber da eventual recandidatura do Presidente da República, do eventual apoio do PS a essa recandidatura e da eventual falta de condições do Ministro das Finanças para continuar no cargo por conta dos desentendimentos entre este o Primeiro-Ministro a propósito do Novo Banco.
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Tudo não passou de um conjunto de eventualidades, claro, tudo por meias palavras, assim em jeito de provocação amigável, sem que tivéssemos percebido ao certo quem quis dizer o quê, nem para quê. E assim se passou o dia e a noite, a discutir presidenciais, candidatos que ainda o não são, candidatos que deixaram de ser e apoios que estão por vir.
Sucede que o país está mesmo em estado de calamidade e a dar os primeiros passos num processo de desconfinamento complexo e cheio de dúvidas. Milhões de pessoas têm as suas liberdades restringidas e condicionadas. Milhares de pessoas estão em lay-off, milhares de pessoas temem pelo seu emprego, milhares de famílias estão numa situação de vulnerabilidade social, milhares de empresas aguardam os apoios que o Estado prometeu, milhares de empresas não sabem se conseguirão aguentar a segunda crise num espaço de dez anos.
Os tempos não são fáceis, são de enorme vulnerabilidade e apreensão e receio e dúvidas, pelo que teria sido preferível que esta iniciativa, que este encontro entre Presidente e Primeiro-Ministro, tivesse servido para falar a estas pessoas, dando-lhes certezas, segurança e esperança.
Teria sido preferível que tivessem falado sobre as aspirações das famílias e empresas portuguesas em vez das aspirações presidenciais em curso. Que se tivesse garantido a urgente devolução das liberdades, o redesenho dos apoios do Estado para o tempo de desconfinamento, o redimensionamento do SNS para esta nova fase, a definição de um quadro fiscal e administrativo capaz de captar o investimento de que precisamos como de pão para boca, a estruturação de um programa de emergência social inédito para a inédita circunstância em que nos encontramos, a modelação de um desconfinamento mais coerente e com mais liberdades.
Não é que as eleições presidenciais não sejam tema relevante, porque o é seguramente. Ou que toda a confusão à volta dos entendimentos e desentendimentos entre Ministro e Primeiro-Ministro não seja tema relevante, porque o é seguramente. Mas se é para falar ao país num momento de calamidade, com um processo de desconfinamento a começar, com um país a fazer contas à vida, teria sido preferível que se tivesse falado de certezas e não de eventualidades.