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Daniel Oliveira volta esta semana ao tema da votação dos emigrantes no seu habitual espaço de Opinião na TSF. O jornalista lembra os 400 mil emigrantes que votaram nas últimas legislativas e de como a "barracada" com os seus votos foi "o pretexto para se ouvirem algumas vozes, ainda tímidas, sobre a necessidade de aumentar o número de deputados pela emigração". Daniel Oliveira afirma, no entanto, que "depois de ter visto os emigrantes a serem insultados pelo Estado", acredita não ser este "o melhor momento" para explicar porque se opõe "frontalmente a aproximar o número de deputados eleitos pela emigração à proporcionalidade que temos no território nacional".
O jornalista mostra-se solidário com todos os eleitores emigrantes que, na sua opinião, foram "desprezados pelo Estado", mas alerta que "muitas das asneiras que se fazem na política resultam da tentação de seguir as emoções de cada momento" ou de "não ter a coragem de contrariar paixões passageiras".
"A prova de que a preocupação não é da proporcionalidade é que o círculo fora da Europa, com metade dos inscritos da Europa, elege os mesmos dois deputados, porque a ideia é garantir a representação mínima", salienta o jornalista, complementando: "Como os círculos uninominais estão constitucionalmente interditos, são dois deputados para cada um."
Apesar de existirem um milhão e meio de eleitores nos círculos da Europa e fora da Europa, são eleitos "apenas" quatro deputados. Daniel Oliveira lembra que o círculo de Castelo Branco "tem direito aos mesmos quatro deputados", mas conta com 166 mil inscritos, "quase dez vezes menos". "Mesmo se nos ficarmos pelos votantes, os dois círculos da emigração, tiveram, contando com os votos que foram anulados, os mesmos que Setúbal, que elege 18 deputados", conclui.
Os deputados eleitos pela emigração não servem para representar proporcionalmente o conjunto da população portuguesa, mas para garantir que as suas preocupações estão presentes no parlamento.
O jornalista defende que os portugueses emigrados "não são cidadãos de segunda", apenas "não são afetados da mesma forma que os que vivem no território nacional pelas decisões tomadas pelo poder político".
Um dos argumentos que o cronista confessa ouvir para justificar a "sub-representação", "é que os emigrantes não pagam impostos", mas Daniel Oliveira acredita que "não é essa a questão", porque é "contra o voto censitário".
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"No discurso político fala-se cada vez mais de famílias e de contribuintes e cada vez menos de cidadãos", o que é, na opinião do jornalista, "sinal da vitória de duas correntes conservadoras", uma que "enclausura o indivíduo no núcleo familiar" e outra "que faz depender os direitos de cidadania dos rendimentos e património coletáveis".
Daniel Oliveira vinca que "o voto de quem ganha o salário mínimo e está isento de IRS não vale menos que o voto de quem paga muitos milhares de euros de impostos", porque "um não é mais credor do Estado do que o outro".
Em eleições existem cidadãos, não existem contribuintes.
"A bem da verdade, as remessas dos emigrantes, assim como os investimentos que fazem no país, também são tributadas", informa o cronista, mas, na sua opinião, a "questão é mesmo a territorialidade da lei".
Daniel Oliveira lança o desafio: "Imaginem um desses países, onde a comunidade emigrante é quase igual à residente, a dar representação parlamentar proporcional." O jornalista acredita que "teríamos o absurdo de uma parte da população a determinar as leis que só a outra parte tem de cumprir", o que seria "injusto e um convite à irresponsabilidade".
Os emigrantes mantêm a sua ligação ao país, mas estão integrados noutras comunidades e, aí sim, deviam ser tratados como iguais.
Por essa razão, o cronista "defende o direito de voto dos imigrantes, aqueles que aqui vivem e que aqui pagam impostos diretos e indiretos e que aqui estão obrigados a cumprir as mesmíssimas leis que se aplicam aos nacionais".
Só o hábito de continuar a associar a naturalidade e o sangue ao direito de cidade, tributária do nacionalismo, pode recusar aos estrangeiros que aqui vivem à tempo suficiente para ser deste país, o direito de voto.
No entanto, Daniel Oliveira confessa que as "coisas não são a preto e branco" e, como os emigrantes "contribuem para a economia nacional", devem, "se quiserem regressar ao país, ter uma palavra a dizer sobre o futuro" e "é indispensável que a sua voz esteja presente na Assembleia da República".
"Pena é que os seus votos nunca sirvam para eleger verdadeiros emigrantes", lamenta o jornalista.
Na opinião de Daniel Oliveira, "as novas tecnologias e uma emigração mais qualificada estreitaram a relação dos emigrantes com a vida política nacional" e isso explica o "aumento da participação em eleições".
Depois das Legislativas de 2022, é possível, segundo o jornalista, que "cresça a pressão para que os emigrantes elejam mais deputados".
"A política não se resume à aritmética e há razões justas para que as coisas sejam como são. Pena é que a eleição destes quatro deputados não mereça do estado o mesmo empenho que o voto em Portugal", conclui.
* Texto redigido por Clara Maria Oliveira