Corpo do artigo
Agora que somos os tais "reis" de uma Liga que não é a primeira da Europa - embora a UEFA cole uma palavra à outra - falta saber o que vamos fazer com isso. Ter um batalhão de equipas na segunda divisão do Velho Continente é muito diferente de tê-lo na primeira. No entanto, não é absurdo inverter o conceito e transformá-lo em algo de vantajoso...
Não há nada como a prática para explicar a realidade. A Europa do futebol, ao nível de clubes, tem uma primeira divisão constituída por cinco países e o resto, embora não seja paisagem, está longe. Uns mais do que outros, claro, sendo que Portugal é hoje "o que vem a seguir", após recuperar a sexta posição do ranking, graças a trabalho próprio, mas também ao facto das equipas russas, já em dezembro, terem hibernado até à próxima época.
Diga-se que estamos no lugar em que é suposto estarmos. Inglaterra (por enquanto, veremos que efeitos do Brexit vão surgir no médio/longo prazo), Espanha, Alemanha, França e Itália reúnem uma série de fatores económicos, sociais e culturais que os colocam num patamar superior, por mais voltas que queiramos dar. Não por acaso, os oitavos de final da Liga dos Campeões são, esta temporada, uma coutada exclusiva das Big 5.
Continuando a ser práticos : desde 2004 (reparem que já passaram 15 anos), quando ganhou o FC Porto comandado por José Mourinho, a Champions foi introduzindo acertos que tiveram como inevitável consequência que os vencedores nunca mais saíssem do grupo restrito dos cinco países do costume. E não há grandes motivos para que deixe de continuar assim.
Poder-se-á perguntar : mas isto deve levar-nos a abdicar de uma carreira na principal prova da UEFA? Definitivamente, não. Podemos não ter argumentos para discutir um triunfo, mas temos razões de sobra para, no mínimo, cumprir a missão de passar a fase de grupos. A afirmação europeia passa por estar lá, tentar a cartada dos oitavos - se possível, também dos quartos - e colocar na montra sempre os melhores jogadores.
Bom, mas a questão agora é a Liga Europa. Tirando o caso do Vitória de Guimarães que, apesar da eliminação, provou ter condições para continuar a crescer em termos internacionais, todos os outros têm agora que pensar seriamente até que ponto devem aproveitar este espaço.
Claro que nem sempre dá para feitos históricos como em 2010/11, quando colocámos três equipas nas meias-finais (o Benfica foi afastado pelos bracarenses) para culminar numa final totalmente portuguesa (com o FC Porto de Villas-Boas a derrotar o Braga de Domingos Paciência), algo provavelmente impossível de repetir numa competição europeia. Ainda assim, isto não fecha uma candidatura à vitória final.
Do atual quarteto em funções, o Sp. Braga foi, de longe, o mais brilhante. Começou muito cedo, nas pré-eliminatórias, e manteve-se sustentável - e ganhador - na fase de grupos. É certo que o campeonato pagou a fatura (já está a uns quilométricos 21 pontos do líder), mas pode ter dado um passo importante para readquirir um estatuto externo que estava a fugir. Segue-se o Rangers, que não é melhor do que o Wolverhampton. Se o tal Braga-à-europeia driblou a equipa de Nuno Espírito Santo, é impensável contornar a de Steven Gerrard?
O Sporting, refletindo na UEFA a inconsistência que demonstra internamente, desperdiçou uma excelente oportunidade de ser cabeça de série ao claudicar no desafio da Áustria. Mas talvez não tenha causado grande mossa quando vemos os turcos do Istambul Basaksehir no caminho. É difícil fazer uma projeção sobre o que dará o resto da campanha europeia quando, até por cá, ninguém arrisca o que pode acontecer. O que suceder, entretanto, no mercado de inverno, pode influenciar muita coisa.
Deixei propositadamente para o fim os casos de Benfica e FC Porto. Porque estão ambos envolvidos na luta pelo título nacional - a verdadeira prioridade para ambos - e porque são as duas formações portuguesas com melhores argumentos para entrarem numa discussão séria pela Liga Europa.
O Benfica, depois de cair da Liga dos Campeões, fica com uma responsabilidade acrescida como sucede com qualquer um que venha da Champions. Aliás, ficou a ideia de que as águias já se deram por satisfeitas com o facto de faturarem mais de 40 milhões com a entrada, relativizando a continuidade e só carregando no acelerador quando a transição para a Liga Europa podia estar em risco.
Os encarnados continuam com duas finais "atravessadas", ambas no tempo de Jorge Jesus, e nunca esconderam a vontade de regressarem lá, desta vez para ganhar. De resto, quem diz pretender uma afirmação europeia também deve pensar nisto. Pode não passar pela Champions, é certo, mas é plausível que possa passar pela Liga Europa.
O FC Porto, notoriamente, acusou a eliminação pelo Krasnodar (que nem se safou na Liga Europa) que impediu os dragões de ocuparem o seu habitat natural na Liga dos Campeões. Não apenas pelo encaixe financeiro que falhou, mas também pelo percurso mais difícil do que julgava na fase de grupos da Liga Europa, que só lhe permitiu resolver o assunto na última jornada.
Sendo o recordista português de títulos internacionais, também o FC Porto tem uma responsabilidade acrescida nesta segunda linha europeia. Com um dado adicional, igualmente válido para o Benfica : triunfar nesta competição dá a qualificação direta para a Champions, com os tais 40 e tal milhões à mistura. Isto é, águias e dragões têm aqui um caminho alternativo ao campeonato português, se algo se complicar no terreno interno.
Ora, esta eliminatória em fevereiro é ótima para se concluir quais são as reais intenções de Benfica e FC Porto. É que, tanto Shakhtar Donetsk como Bayer Leverkusen representam obstáculos com um grau de exigência a que só os verdadeiramente bons têm capacidade para responder.
Claro que, no meio de tudo isto, falta saber de que maneira os clubes vão encarar a gestão das duas principais frentes, o campeonato e a Europa. Sendo que, quando se é grande, deve existir a ambição de ir além da nossa vidinha doméstica.
E não se pode mesmo tentar ganhar isto?