A opinião desta sexta-feira é assinada por Nádia Piazza.
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Na quarta-feira, a PJ anunciou a detenção de um cidadão português em Budapeste. Tratava-se de Rui Pinto, um hacker que terá sido responsável pela divulgação dos e-mails internos do Benfica, suspeito de tentativa de extorsão, acesso ilegítimo e exfiltração de dados de algumas instituições, inclusive do próprio Estado", adianta a PJ.
A eurodeputada Ana Gomes questiona se o hacker é um pirata informático ou antes um denunciante que "expôs corrupção bem entrincheirada".
Para os advogados de Rui Pinto, ele denunciou "práticas criminosas", tendo admitido ser autor do Football Leaks. Chamam a atenção para "o incrível paradoxo que resulta da tentativa de criminalização do seu cliente, quando, na verdade, o seu gesto cívico e as suas revelações permitiram a numerosas autoridades judiciais europeias um avanço histórico no conhecimento das práticas criminosas no mundo do futebol".
Alegam que o seu cliente cumpre os critérios de proteção dos lançadores de alertas [whistleblowers], resultantes das últimas disposições da legislação europeia e de muitos países europeus. "A (...) indústria do futebol não deve ser utilizada para manter na opacidade as práticas gravemente contrárias à lei que no mundo deste desporto se verificam", completam.
Whistleblower, traduzido literalmente, é o "assoprador de apito", o denunciante. Toda pessoa que espontaneamente leva ao conhecimento das autoridades informações relevantes sobre um ilícito civil ou criminal.
O caso mais famoso em Portugal tem relação com um dos maiores escândalos de corrupção do país nos últimos anos. Em 2006, o advogado José Sá Fernandes entrou com uma ação na justiça para impedir um negócio imobiliário lesivo entre a cidade de Lisboa e a empreiteira Bragaparques. Quando o tribunal anulou a operação, o presidente executivo da Bragaparques, Domingos Névoa tentou convencer o irmão de Fernandes, Ricardo Sa Fernandes, à agir como mediador, oferecendo 200.000€ de propina para que seu irmão desistisse da ação.
Gravações feitas por Ricardo Sá Fernandes em uma reunião com Névoa foram usadas como prova contra o empresário. Devido aos atrasos no processo, Névoa não chegou a ficar preso os cinco meses a que foi condenado, nem pagou multa. Os irmãos Sá Fernandes, por outro lado, tiveram que se defender em múltiplas represálias judiciais, inclusive por escuta telefónica ilegal e difamação
Vai desde um dever profissional ou de um dever cívico de qualquer cidadão reportar às autoridades competentes situações ilícitas que vão contra interesses públicos ou coletivos. Ou um direito: o direito a denunciar, o direito a reclamar e o direito à liberdade de expressão (ver em "Uma Alternativa ao Silêncio: A proteção de denunciantes em Portugal").
Rui Pinto terá certamente muito a explicar às autoridades portuguesas, se extraditado, e em "sagrado" sigilo de justiça, agora que já não há toupeiras à solta, mas que o puto tocou bem alto o apito, tocou.
Só que dessa vez a bola não vai rolar. Resta saber, e cabeças?!