Marcelo não quer orçamentos eleitoralistas. Centeno lembra que este é o orçamento para 2018. Como quem diz, as eleições são só em 2019.
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Quem o viu, e quem o vê. Mário Centeno, o ministro que não conseguia dizer uma frase seguida sem se atrapalhar, que na reestruturação da Caixa Geral de Depósitos quase deitou tudo a perder por manifesta inabilidade política, não só está a apanhar-lhe o jeito como, mais que isso, está claramente a apaixonado pela política. Entre bicadas à oposição - algumas a despropósito, diga-se - o autoelogio e as piscadelas de olho ao Bloco de Esquerda e ao PCP, Mário Centeno ainda encheu o peito para responder ao Presidente da República.
Marcelo não quer orçamentos eleitoralistas e percebe-se bem porquê. Uma política que apenas mete dinheiro no bolso das pessoas rende votos. E muitos votos resultam normalmente em maiorias absolutas. Ora, não há nada pior para o poder de um presidente do que ter que lidar com um governo maioritário. E, se as sondagens atuais já dão o PS próximo dessa maioria, imaginem só o que será quando, em 2018, as pessoas começarem a pagar menos IRS, quando os funcionários públicos começarem a ver as suas carreiras descongeladas e os pensionistas as reformas aumentadas.
O melhor ainda está para vir, parece dizer Mário Centeno. O que não for feito em 2018 é para fazer em 2019. Que por acaso, só por acaso, é ano de eleições legislativas. É aproveitar que o vento corre de feição na Europa e o dia de amanhã ninguém o conhece. Reforma da função pública? "Melhorar a vida dos funcionários públicos é fazer a reforma da função pública", responde o ministro, sem se rir.
Mário Centeno conseguiu, em todos os orçamentos, o melhor de dois mundos. Cumprir as metas orçamentais e responder a muitas das reivindicações dos partidos que sustentam o governo. E isso, temos que reconhecer, era um cenário impensável para a maioria no final de 2015, inclusivamente para muitos socialistas. Acrescente-se que a economia está a crescer a um ritmo assinalável e, mesmo não sendo apenas mérito das políticas do governo, elas têm um contributo que não é despiciendo.
Depois de seis anos de austeridade, de cortes tantas vezes cegos, é da mais elementar justiça que se devolva às pessoas alguma da dignidade que lhes foi roubada. Mas a política de um governo tem que ser muito mais que isto. Há muito de estrutural para fazer no país, na saúde, na educação, na justiça, no Estado. E não, senhor ministro, o Orçamento do Estado para 2018 está longe, muito longe, de ser uma reforma do Estado. A começar na melhoria da qualidade de vida dos funcionários públicos a quem o senhor agradeceu pelo esforço na entrega do Orçamento. Se as condições do Estado fossem outras, não se entregavam documentos desta importância às onze da noite no Parlamento e não tínhamos o ministro das Finanças a anunciar a lei mais importante de um país à meia-noite.
Segue-se a discussão do Orçamento e, aí, a coreografia dos partidos está toda definida. O PSD, ocupado que está com a luta interna pelo poder, apresentará umas propostas de reformas estruturais, iguais às do ano passado, e fica resolvido. O CDS apresentará tantas propostas de alteração quantas Assunção Cristas conseguir debitar por minuto. O PS aprovará uma ou outra só para não ser acusado e rejeitar tudo o que vem da oposição e, já agora, para irritar só mais um bocadinho o PSD. Onde a discussão pode ficar mais difícil, mas nada de grave, é com o Bloco e, sobretudo, com o PCP. A tradição dita que o comité central apresente sempre um conjunto de propostas que, sabendo chumbadas, servem depois para alimentar os discursos de Jerónimo de Sousa e manter vivas as hostes comunistas. O problema é que, desta vez, mais do que mantê-las vivas, é preciso ressuscitá-las.
"A luta é inevitável", dizia Jerónimo de Sousa depois do desastre que o PCP sofreu nas autárquicas. E que melhor altura há para subir o tom da luta, que durante a discussão de um Orçamento do Estado? Será isso suficiente para travar a subida do PS nas sondagens? Provavelmente não. Mas, como é óbvio, não é só Marcelo Rebelo de Sousa que está preocupado em evitar uma maioria absoluta de António Costa em 2019.