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Amanhã, com o debate do Estado da Nação, entramos, definitivamente, na silly season. O fim da atividade regular do Parlamento parece marcar nas agendas do país e dos media, um período «de férias» onde, tirando aquilo a que se convencionou chamar «época de incêndios», e que já começou, nada abalará a pacatez do primeiro verão outra vez (quase) sem restrições por causa da pandemia e com o regresso ao que se convencionou chamar «o novo normal».
Um povo a banhos, hotéis quase esgotados, preços absurdos, filas de horas para chegar e sair das praias mais populares. Quem pode ainda apanha um avião para destinos mais ou menos previsíveis, porque de turismo em massa, mas ainda assim, consegue poupar dinheiro, Fica mais barato ir uma semana de férias a Palma de Maiorca ou à Tunísia, no regime de «tudo incluído», do que pensar no Algarve, na Comporta ou na Madeira.
Nos discursos que amanhã ouviremos no Parlamento, o Estado da Nação vai resumir-se ao mesmo de sempre - o Governo e o grupo parlamentar que o suporta dirão que está tudo bem, que estamos melhor que há um ano, que o dinheiro que está para chegar vai ser bem gasto e que os projetos em marcha vão transformar de tal forma o país que, daqui a três anos, quando acabar a legislatura, já nem o reconheceremos. Depois da Covid, «a guerra, são tempos difíceis», mas ainda assim, o Governo está a olhar por nós, podemos estar descansados. Quando o debate azedar, ou da bancada dos ministros ou da dos deputados, vão recordar-nos, para remate de conversa, que «há uma maioria absoluta» com pouco mais de 100 dias e, portanto, não há razão para gritaria. Os portugueses escolheram, é preciso dar tempo ao tempo.
Das bancadas de toda a oposição, ouviremos dizer que a guerra não pode servir de desculpa para tudo e a Covid já passou. Que este Governo é incompetente e lento, sem ideias nem planos a longo prazo, que os portugueses já estão arrependidos da maioria, que a agitação social está a caminho. Que o país está um caos.
De S. Bento, portanto, nada de novo.
A sorte do Governo, para lá da maioria absoluta, que deve ter sido conquistada por amor, porque os portugueses não têm nenhum interesse nela, é que o futebol está quase a começar, o Benfica já joga na semana que vem, o mercado de transferências está animado e, mais dia, menos dia, recomeça o campeonato de futebol e volta a haver tema para discutir toda a semana. Com jogos entre sexta e segunda sobram, para já, as terças, quartas e quintas sem tema do dia. Quando começaram as competições europeias, não haverá dia sem jogos e, portanto, nem dá tempo para a antevisão, ficamos apenas pelo rescaldo, pelos treinadores despedidos mal começa a época, pelos casos dentro dos clubes, pelos árbitros que nem com VAR conseguem acertar. E pelas declarações de guerra, por chamar «rivais» aos (apenas) adversários, pelas frases feitas do costume: «um jogo de cada vez», «o nosso objetivo são sempre os três pontos», «temos muito trabalho a fazer», «quero agradecer o apoio dos sócios» e por aí fora.
A reforma do Estado e da administração pública ficará para depois. As falhas do SNS só em setembro, quando houver, de novo, greves, protestos e manifestações. A falha de professores no arranque do ano letivo é para discutir mais tarde. As contas aos hectares ardidos, idem. As empresas que não acedem a fundos do PRR porque a burocracia é de tal ordem, que preferem nem sequer tentar, não é tema. O(s) novo(s) aeroporto(s) ainda não se sabe onde será, quando será, quanto vai custar. A reforma do sistema eleitoral vai ser adiada, até que se volte a falar do tema e, aí, estaremos, outra vez, «em cima de eleições», e, portanto, não será «o momento». A inflação é culpa do Putin, o preço da gasolina também. Tudo o que anda mal tem um responsável externo, tudo o que corre bem, é mérito do governo.
Com a tal maioria absoluta, os 221 minutos de discussão previstos no regimento vão esgotar-se, como acontece todos os anos, com jogos de palavras, gestão de tempos e de sound bites, sem nada que valha a pena. O debate acaba, começam as férias, ninguém quer saber «da política», até setembro.
E, já agora, quando Vossas Excelências nos puderem, por obséquio, informar-nos sobre o real estado da Nação, a nação agradece.
