"A Opinião" de Fernanda Câncio, na Manhã TSF.
Corpo do artigo
Segunda-feira foi o dia em que Macron finalmente falou aos franceses, admitindo motivos para a raiva que enche as ruas de coletes amarelos.
Foi também o dia em que um grupo liderado pelo economista Thomas Piketty publicou nos jornais a sua proposta para salvar a Europa.
A coincidência é interessante.
Piketty é o autor de "O Capital no Século XXI", livro sensação de 2013 no qual analisa a evolução dos rendimentos em vários países desde o século XVIII.
Nele conclui que, salvo em momentos de crise profunda, guerra ou de grande crescimento económico com grande redistribuição, como foi o caso da criação do estado social, o sistema capitalista tem vindo a produzir cada vez mais desigualdade. E que essa é uma característica essencial do capitalismo.
Quem herda capital acumula capital; a taxa de acumulação do capital é muito superior à do crescimento da economia, o que resulta num fosso cada vez maior em relação a quem vive do seu trabalho, ou seja, do seu esforço. Resulta, pois, em que a maioria nunca sairá da cepa torta.
Como remédio para combater esse aumento da desigualdade que, já em 2013, previa poder destruir as democracias, Piketty propunha um imposto mundial sobre a riqueza -- mundial para que os ricos não fugissem para não o pagar.
TSF\audio\2018\12\noticias\12\fernanda_cancio
No manifesto de segunda-feira, a proposta restringe-se à Europa: um imposto agravado para fortunas superiores a um milhão de euros e para as multinacionais, assim como sobre salários superiores a 200 mil euros/ano, e uma taxa mais alta para as emissões de carbono.
A ideia é criar "um orçamento europeu para a democratização e para investir no futuro dos europeus", obviando ao crescimento da desigualdade que está a alimentar os populismos.
Também Macron, depois de anunciar um aumento de 100 euros no salário mínimo e um desagravamento fiscal nas reformas mais baixas, falou do imposto sobre a fortuna. Trata-se do ISF, Imposto de Solidariedade sobre a Fortuna, que extinguiu no início do ano e que os manifestantes querem de volta.
Mas nisso Macron não cedeu. "Durante cerca de 40 anos", diz, "tivemo-lo. Vivemos melhor durante esse período? Os mais ricos iam-se embora. Voltar a isso iria enfraquecer-nos agora que estamos a conseguir recriar emprego em todos os sectores."
É verdade: os ricos podem fugir. É o bom de ser rico, pode-se fazer quase tudo. Já os pobres não podem fazer quase nada a não ser aguentar. E de vez em quando, explodir.
Ninguém sabe como resolver isto, e é possível que Piketty também não tenha a bala de prata. Mas não dá para continuar a fazer o mesmo e esperar resultados diferentes.
Em eco de um poema de Paul Éluard, é a palavra desigualdade que devemos escrever em todo o lado - ela já lá está, mas precisamos de a ver para não nos esquecermos.
*a autora não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990