"Espelho meu, espelho meu, haverá alguém capaz de convocar mais greves do que eu?"
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Na última ronda negocial, concluída no final da semana passada, não se vislumbrou o esperado fumo branco em sinal de harmonia, antes porém, foram lançadas mais achas para uma fogueira que consome esperança, direitos, tempo e energias. As ações multiplicam-se em reação e em oposição: o ministério da Educação (ME) requereu o decretamento de serviços mínimos, tendo o Tribunal Arbitral fixado por unanimidade, algo que poderá interferir diretamente na estratégia sindical, e um sindicato convocou a 2.ª Marcha Nacional pela Escola Pública, estendendo convite a outros sindicatos de professores e de outras profissões. Uma federação de sindicatos anunciou a sua entrada na "luta", convocando greve nacional de professores, e o ME pediu um parecer em dose dupla: à Procuradoria-Geral da República e ao Centro de Competências Jurídicas do Estado. E o estado das coisas vai no sentido de se "um diz mata, o outro diz esfola".
O surgimento (tardio?) de uma federação de sindicatos na "luta" (convocando greves distritais, acampamentos em frente ao ME, antecipando a manifestação nacional para 11 de fevereiro...), com um comportamento denunciador de certos contornos de ressentimento, fomentou um concurso sindical entre egos em despique, fazendo lembrar uma célebre frase que, adaptada ao contexto atual assume esta condição: "Espelho meu, espelho meu, haverá alguém capaz de convocar mais greves do que eu?"
Reproduzo a expressão que usei num texto publicado no Jornal de Letras, em 11 a 24 de janeiro de 2023, porque, face aos novos desenvolvimentos, esta ganha crescente propriedade e acerto, deixando antever atitudes que podem fazer perigar a justa "luta" dos professores. As energias devem estar direcionadas ao cerne de um problema que se escreve com vários termos, "esperando-se que não as gastem em vaidades e egocentrismos balofos".
Há variáveis múltiplas, que devem ser interpretadas separadamente, evitando-se, assim, incorrer em injustiças ou erros. À atipicidade da greve, pela forma e tempo indeterminado que a caracterizam, destaca-se a união dos professores, na genuinidade de um processo resultante das bases, que se organizam nas escolas recorrendo ao Whatsapp, à margem do egocentrismo sindical, demonstrando uma força avassaladora, capaz de superar a incompreensível desunião destas associações.
Se uns referem a consonância dos docentes como fator decisivo para levar a bom porto os intentos determinados, outros apontam a notória cisão do movimento sindical como evidência favorável à promoção do protagonismo individual em detrimento do interesse comum.
A "luta" da classe docente vive um momento ímpar, que nada tem a ver com posturas umbiguistas e extremismos politizados, preferindo o diálogo e os consensos que se impõem, conducentes a um entendimento necessário e urgente, salvaguardando as justas reivindicações dos professores, nomeadamente a recuperação gradual e progressiva dos 6 anos, 6 meses e 23 dias sonegados aos professores - curiosamente negociados pelos sindicatos e votados às calendas gregas pelos mesmos, reavivados agora pela voz dos docentes - e as barreiras artificiais impeditivas de acesso aos 5.º e 7.º escalões, duas das principais reivindicações, entre outras, que devem estar em cima da mesa. A resolução destas questões essenciais contribuirá decisivamente para a paz e estabilidade que as escolas demandam, dando-se um passo importante para devolver a atratividade à carreira docente, motivando os jovens a enveredar pela mais bela profissão do mundo.
Reitero a presença premente, nas futuras rondas negociais, de uma entidade fulcral na resolução do braço de ferro que dura há quase 2 meses: o ministro das Finanças. Ao longo dos diferentes mandatos, estes nunca foram generosos com a Educação, talvez por insensibilidade política dos sucessivos governos, que tardam em levar à prática prioridades que quase sempre defendem nos programas eleitorais.
Os professores, técnicos especializados, assistentes técnicos e operacionais e demais profissionais educativos apelam a um forte e proativo investimento na Escola Pública, permitindo-lhes continuar a desenvolver um trabalho indispensável e inestimável na formação e educação das crianças e jovens, rumo a uma sociedade cada vez mais proficiente, evoluída, solidária e igualitária.