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"Sou uma pedra no sapato de muita gente", disse o papa Francisco, numa entrevista a uma revista católica, divulgada esta sexta-feira. E é. Este papa não calça Prada. Prefere as sandálias de peregrino e de missionário, habituadas ao pó, ao chão, ao frio e ao calor. Dispensou os luxuosos aposentos papais que lhe estavam reservados no Vaticano e recolheu-se num quarto humilde e simples. E, na última década, não se cansou de falar dos pobres, dos marginalizados, dos excluídos, dos que sofrem. Já escutamos muitas vezes este discurso de proteção dos mais fracos. Mas, depois, a prática dos políticos em geral contrasta com as palavras.
Foi uma das mensagens que Francisco deixou na visita a Portugal, diante de políticos, diplomatas e forças da chamada sociedade civil. Que falem menos e façam mais, que saibam fazer corresponder as palavras aos atos, que olhem de facto para os mais pobres e marginalizados. Que troquem os sapatos pelas sandálias, os carros de luxo por utilitários, que sejam exemplo, que não exerçam apenas o poder, mas coloquem esse poder ao serviço dos outros.
Francisco, o Papa que veio «do fim do mundo», é um homem que gosta de futebol e foi guarda-redes; que teve namoradas na adolescência; que esteve nos bairros pobres de Buenos Aires; que saía do Paço para ir ao encontro dos que sofriam. Ao chegar ao Vaticano, levava apenas uma pequena mala, nunca esperou ser o chamado para a função papal.
Uma vez em Roma, o Papa teve de lutar, antes de mais, contra o próprio Vaticano; contra a distância que vai dos luxos e prebendas dos cardeais e dos que gravitam na corte papal; contra os que preferem manter os privilégios a sujar os sapatos no terreno; dos que acham que a fé se espalha sozinha, sem atender aos problemas concretos das pessoas reais. Ao dia a dia fora da cúria.
O papa, enquanto líder político, que também é, percebeu que este século traz novos e difíceis desafios. Que os jovens precisam de esperança, o mundo precisa de paz e os mais velhos precisam de cuidados. Construir um mundo novo não vai lá apenas com palavras. São precisas ações concretas, concertadas e acertadas. De todos. Da igreja, que ele quer mais perto da realidade, dos políticos eleitos, que precisam de perceber que têm obrigação de deixar o mundo melhor e, também, de cada um de nós e de que forma podemos contribuir para o todo global. Na era do virtual, o papa chama-nos para o real, para o calor de um abraço ou de um beijo, para a importância dos afetos, para um caminho de humanidade em vez de virtualidade.
A pedra que este papa é, no sapato de muitos, é mais fácil de sacudir se estivermos calçados com sandálias. E ele, o papa, este papa, tem autoridade, moral e política, mas, sobretudo, humana, para falar destes temas.
Porque não calça Prada.
