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Pouco a pouco, no chamado espaço público, começa a ganhar forma a ideia que só com uma frente de "centro-direita" sem o Chega é possível apear do poder o PS que, se a legislatura for até ao fim, terá governado mais de uma década. Curiosamente, as duas vozes - admito que já sejam mais - que até agora ouvi a defender esta grande coligação são de dois antigos deputados e dirigentes do CDS, um dos partidos fundadores da democracia que desapareceu do Parlamento nas últimas legislativas. A teoria é simples e explica-se em poucas palavras. PSD, Iniciativa Liberal e CDS juntos, com uma abertura aqui e ali a "reformistas de esquerda" que queiram alinhar, deixar claro que o Chega fica de fora e está feita a "grande coligação" capaz de gerar uma alternativa ao PS. O PSD seria o líder desta federação e, só talvez desta forma, concentrando votos do espaço "não socialista e de não esquerda" o "centro-direita" poderia sonhar voltar a governar.
Nenhum dos que elaborou sobre esta teoria, no entanto, acredita que ela possa passar à prática antes das Europeias, vistas como um teste eleitoral, um termómetro, uma medição de forças e de votos, uma espécie de "vamos ver quanto vales" para que possa ser estabelecida uma correlação de forças na eventual futura frente de centro-direita.
Ao CDS, seria o melhor que lhe poderia acontecer. Voltaria a ter deputados eleitos, mesmo que a solução não resultasse num governo, estaria de novo no hemiciclo e teria recuperado do trambolhão eleitoral do ano passado.
Dito e visto assim, parece apenas e só uma soma aritmética de votos, uma estratégia para derrotar o PS, uma chance do "centro-direita" voltar ao poder. Por outro lado, seria um desafio ao eleitorado do Chega. Com um apelo ao "voto útil", ou seja, "se votas no Chega corres o risco de ter mais quatro anos de governos do PS ou de uma geringonça 2.0".
Mas, o mas nesta questão não está nem na ideia, nem na tática, nem na estratégia. Uma grande frente de "centro-direita", uma federação de partidos, uma aliança, uma coligação precisa de muito mais do que a soma dos votos dos vários partidos. Precisa de um projeto, um programa, uma alternativa. Precisa de soluções para os problemas reais dos portugueses; precisa de trazer esperança e confiança; precisa de convencer o eleitorado a acreditar que a mudança é possível, é desejável e capaz de fazer reformas que tornem a nossa vida melhor.
Construir uma alternativa a várias mãos implica longos meses de negociações e cedências prévias, convergências no essencial e confiança total entre as partes. O PSD, como líder histórico e natural do "centro-direita", terá de ser a locomotiva que puxa os demais. Terá o PSD essa vontade, capacidade e disponibilidade? E se sim, quando? E como? Com que programa?
Nesta altura, o PS está cercado.
E o PSD encurralado.
O que decidirem, nos próximos meses, os líderes partidários, vai definir os anos seguintes de um pais que parece não se envergonhar de ter mais de milhão e meio de cidadãos sem médico de família; de ter 4,4 milhões de pessoas que, sem apoios sociais, viveriam abaixo do limiar da pobreza; e que, mesmo com ajudas, ainda tem quase dois milhões de pobres. Muitos deles, trabalham.
Talvez valha a pena pensar nisto.