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Sob o mote "Fado e o Mar", Rabat e Casablanca verão a 5.ª edição deste evento que começa a ganhar alguma tradição nas actividades culturais e de divulgação de Portugal, apoiadas e promovidas pela nossa Embaixada em Rabat. O Fado, é aliás uma forma de cantar, juntamente com o Flamenco, que terão certamente origens na recitação do Corão. Falo da forma de cantar, da morfologia da ladainha e do lamento. Isto lá muito atrás, que aquilo a que damos importância e justificamos para o fado ser como é, data dos séculos XV/XVI e trata-se de História Social. A saudade, o lamento, a vida e os sentimentos do emigrante-pioneiro e o regresso, raras vezes em glória.
Assumido este facto na sua plenitude, o Fado, símbolo da nossa identidade colectiva, poderá muito bem ser usado e abusado em ambiente magrebino, por esta sintonia histórica que se traduz numa música de fundo comum ao Mediterrâneo Ocidental, como se fossemos todos num elevador! Esta sintonia é múltipla, na voz e nos instrumentos, já que a guitarra portuguesa complementa muito bem o lamento do alaúde, sempre cabisbaixo e pronto para anunciar mais uma mágoa. Nesta continuação, proponho uma atitude semelhante à que os espanhóis tomaram face ao Flamenco. Apostaram no "Flamenco-Fusão" enquanto instrumento da diplomacia para o Magrebe e África mais próxima. As semelhanças na morfologia de que falo, são as mesmas para o Flamenco e para o Fado.
Assim, poderíamos pensar num pacote cultural que para além de contemplar espectáculos de música, também permitisse o intercâmbio entre artistas, para trabalharem juntos, publicarem juntos, produzirem juntos e aproximarem os dois povos, com base no trabalho final. O "Fado-Fusão" seria o fruto desta parceria. O público marroquino, curioso e tal qual o português, sempre valorizador daquilo que vem de fora, aderiria na certeza destas características, tendo ainda um público fiel que os portugueses desconhecem, os amantes da Música Andaluza, toda a população do "norte espanhol" descendentes dos expulsos de Granada e que se fixaram inicialmente em Tetuão, os Mouriscos!
Mas como é que se promove tal empresa?
Portugal é "Marrocos de Cima", na mesma medida em que Marrocos pode ser "Portugal de Baixo", já que transportamos sempre connosco as nossas idiossincrasiazinhas. Nada de novo até aqui, o
interessante é perceber que as idiossincrasias portuguesas são as marroquinas e vice-versa. À boa maneira portuguesa em Marrocos não existe uma, mas duas Câmaras de Comércio, Indústria e Serviços, uma Portugal-Marrocos e outra Luso-Marroquina. Quando alguém em Portugal refere "a Câmara de Comércio em Marrocos", alguém vai sempre perguntar, "mas qual?". Ou seja, não querendo entrar na perspectiva irrealista do "vamos lá nos entender e gemelar a coisa e ficamos ainda mais fortes", já que nos conheço muito bem para apontar esta, como a primeira idiossincrasia, somos todos independentes enquanto indivíduos e é daí que emana a independência de Portugal, do nosso coração e da nossa vontade!
Mas este é o tipo de projecto que poderá muito bem ser alavancado por um grupo de empresas presentes em Marrocos, por exemplo, mas também pode ser na Argélia, que vejam no investimento algo de verdadeiramente fruível por todos do ponto de vista lúdico e que depois tenha um fim maior, para Portugal e no caso específico de Marrocos, colocar no mapa das câmaras de comércio, aquela que tiver a visão no longo prazo neste investimento, que ajudaria a encurtar os 200 anos de atraso em influência que temos face aos espanhóis e franceses. Ou seja, os portugueses em Portugal deixariam de perguntar "de qual Câmara estamos a falar?" já que os promotores do Fado-Fusão estariam a fazer História, Diplomacia, Política e negócios. Seriam então os bons negócios a irem ao seu encontro e não o contrário, já que há sempre um retorno nas apostas culturais que visam o longo prazo.
A Acontecer / A Acompanhar
PROGRAMA - FESTIVAL FADO MARROCOS
Terça-feira, 20 de setembro - Teatro Nacional Mohammed V, Rabat
20h00 - Concerto - Joana Amendoeira
Quinta-feira, 22 de setembro - Studio des Arts Vivants, Casablanca
Exposição - "Fado e o Mar"
18h00 - Cinema - "Fado, História de uma Cantadeira", Longa-metragem de Perdigão Queiroga
20h00 - Concerto - Joana Amendoeira
Sexta-feira, 23 de setembro - Studio des Arts Vivants, Casablanca
Exposição - "Fado e o Mar"
19h00 - Conferência - "Fado e o Mar", por Rodrigo Costa Félix
20h00 - Concerto - Camané e Mário Laginha
Raúl M. Braga Pires é autor do site Maghreb-Machrek, é Politólogo/Arabista e escreve de acordo com a antiga ortografia
