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A Missão Multidimensional Integrada de Estabilização das Nações Unidas no Mali (MINUSMA), de abril de 2013, viu oficialmente o seu fim chegar na passada sexta-feira 30.
Após quase três anos de pressão da Junta Militar para a retirada da MINUSMA, acusada de não proteger as populações e sempre confundida com as acções e origem exclusivamente francesa da Operação Barkhne, foi a votos na passada sexta-feira no Conselho de Segurança das Nações Unidas, proposta para o término definitivo desta missão. O voto foi unânime no sentido do fim e retirada dos 13 mil militares e polícias, fundamentalmente vindos do Chade, Senegal, Bangladesh, Egipto, Burkina Faso e até Jordânia. Consequências desta retirada, definida para acontecer até janeiro do próximo ano?
Como em política não existem vazios, após janeiro de 2024, o Mali ficará entregue às FAMA, as Forças Armadas do Mali, com uma década de formação ininterrupta e problemática, no sentido da organização das mesmas (FAMA), com unidades proibidas de actuarem no Norte, pelo trauma causado por acções desenvolvidas na década de 1990 contra a insurgência tuaregue. Esta limitação trouxe uma rivalidade crescente entre duas unidades, os boinas verdes e os boinas vermelhas. Os primeiros a receberem formação para rumarem a norte e os segundos, confinados ao aquartelamento, a destilarem a frustração da penalização dos competentes. Este detalhe, mais a incapacidade de durante 10 anos de Missão a MINUSMA não ter conseguido convencer as milícias tuaregues a integrarem as FAMA (em virtude da memória e péssima experiência que estes tiveram com os boinas vermelhas nos idos 90´s), ditaram um fracasso previsto já em 2013. Entregue a estas FAMA e a mil e quinhentos mercenários Wagner, resta acrescentar que perante este cenário e após a votação, Anna Evstigneeva, Vice Embaixadora da Rússia na ONU afirmou que o seu país fornecerá "apoio abrangente" ao Mali.
O que é que está em jogo?
A unanimidade de voto (são 5 membros permanentes no Conselho de Segurança, mais 10 membros não permanentes e com mandatos rotativos a cada dois anos), por muito estapafúrdia que a comparação possa parecer, faz-me lembrar o Portugal de 2004, quando Santana Lopes assumiu o cargo de Primeiro-Ministro (PM) em substituição de Durão Barroso. O primeiro dia foi de pânico nacional, mas nos seguintes começou a pairar uma paz conspiradora e silenciosa entre todos nós, transmitida apenas pelo olhar, tanto nos corredores do poder, como nos transportes públicos. O "consenso iluminante" dizia-nos que tinha chegado a oportunidade para nos livrar-nos de um político capa-de-revista, ainda por cima bem-parecido, mas que todos sempre consideramos fútil, ao mesmo tempo que invejamos o seu sucesso. O momento seria o de deixar o novo PM com rédea solta, já que era sabido que rapidamente se envolveria num prosaico qualquer digno da queda do seu governo.
O mesmo "consenso iluminante" parece agora ter acontecido aos 15 votantes que não destoaram ao abrirem caminho a uma Wagner de rédea solta no Mali, cujo à vontade rapidamente se tornará em "à vontadinha", meio-caminho para o erro grosseiro de homens-em-armas e de reputação duvidosa. Ou seja, este vazio onusiano que será ocupado pelas FAMA e pelos Wagner, será monitorizado por toda a inteligência ocidental, no sentido dos erros serem transformados em provas que contribuirão no futuro para uma descredibilização massiva e global deste "martelo pneumático da Política Externa do Kremlin".
Os dados estão lançados e oficializados, pelo que o Mali ficará entregue a si próprio a partir de janeiro de 2024, mas com todos os satélites a pairarem sobre a sua órbita!
A Acontecer / A Acompanhar
- 29 de junho a 7 de julho, FESTin, XIV Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa. Cinema S. Jorge, Lisboa;
- Todos os domingos, na Telefonia da Amadora, entre as 21h e as 22h, Programa "Um certo Oriente", apresentado pelo Arabista António José, um espaço onde se misturam ritmos, sons e palavras, através das suas mais variadas expressões, pelos roteiros do Médio Oriente e Ásia.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.
