Corpo do artigo
Pela segunda vez num curto espaço de tempo, as sondagens voltaram a ocupar "o centro do resultado eleitoral", afirma Daniel Oliveira, em jeito de rescaldo das eleições legislativas do último domingo. As sondagens criaram uma "falsa dinâmica" de vitória do PSD que "dramatizou" umas eleições que afinal estavam ganhas pelo PS.
"Seria estranho se não estivessem quando o incumbente ia a votos sem uma crise económica instalada, com mínimos de desemprego, uma avaliação da sua gestão da pandemia genericamente positiva. No país mediático, a vitória inesperada do candidato do PSD nas eleições internas dar-lhe-ia o alento capaz de mudar o rumo das eleições", explica Daniel Oliveira.
TSF\audio\2022\02\noticias\01\01_fevereiro_2022_a_opiniao_daniel_oliveira
Fora da bolha mediática, o jornalista considera que os portugueses votaram de acordo com as circunstâncias e não por "estados de alma diários". Depois refere os derrotados destas eleições, começando com o PSD, que continua sem se conseguir "reerguer dos tempos da troika".
A culpa de Rui Rio não é a perda do centro, é a perda da direita.
"Uma das principais razões para a mobilização da esquerda em torno do voto útil, que degenerou em maioria absoluta, foi a ideia de a direita voltar ao poder. A culpa de Rui Rio não é a perda do centro, é a perda da direita. Nem com a pressão do voto útil Rio conseguiu fazer à direita o que Costa fez à esquerda porque a sua reinvenção mediática não o reinventou aos olhos do país. As coisas são mais lentas na vida real do que nos círculos frenéticos da comunicação social", lembra o jornalista.
Sobre a ascensão do Chega como terceira força política, Daniel Oliveira não tem dúvidas de que o partido de André Ventura veio para ficar. Tem um eleitorado que existe, de facto, no país e "não é só de protesto". Sempre existiu "escondido" entre os eleitores do PSD e CDS.
"Sempre existiu e quando não era no voto era nas conversas de café e nos programas da manhã das televisões. As coisas que se diziam em privado e que a consciência moral censurava em público até alguém o gritar no Parlamento, fazendo todos perder a vergonha. Em toda a Europa existe extrema-direita. Imaginar que o nosso país, com a sua história recente, a poderia não ter só podia resultar de uma fantasia", afirma.
Quanto à Iniciativa Liberal tem uma estratégia que visa "combater o fogo com a gasolina", mas conseguiu conquistar muitos jovens.
"Talvez porque tendo a escola pública como garantida, não precisando do Serviço Nacional de Saúde e das reformas num futuro próximo, nunca conheceu os direitos laborais e um mínimo de proteção social. Resta a vontade, mesmo que ilusória, de pagarem menos impostos. Não é o excesso de Estado que os asfixia, é a falta de mínimos de estado social", considera Daniel Oliveira.
No entanto, o jornalista não está certo de que a Iniciativa Liberal tenha vindo para ficar, podendo ser uma "moda tão passageira" como o PAN ou acabar por ficar semelhante aos liberais europeus, moderando-se e tomando "o lugar que o CDS ocupava".
Em relação ao CDS, Daniel Oliveira admite que Francisco Rodrigues dos Santos tem "muitas responsabilidades pela sua morte", mas sublinha que se deveu sobretudo à entrada do Chega e da Iniciativa Liberal no panorama político.
"Sentiremos a falta de mínimos de compromisso com a democracia ou com a doutrina social da igreja deste espaço da direita. Não mudou para melhor", reconhece.
Para Daniel Oliveira os maiores derrotados de domingo são o Bloco de Esquerda e o PCP. Uma derrota com quatro vagas.
A pressão do voto útil arrasou os bloquistas pelo país inteiro.
"Primeiro a mais estrutural, que atingiu sobretudo os comunistas há muitos anos em perda. Depois, o abraço do urso que fez os dois partidos, mas sobretudo o PCP, perderem votos para o PS desde que a geringonça começou. Em terceiro, o chumbo do Orçamento do Estado que António Costa, que preparava esta crise política desde 2019, vendeu melhor uma narrativa do que aqueles que o puseram no poder em 2015. Aí o grande penalizado foi o Bloco, com muitos mais vasos comunicantes com o PS. A pressão do voto útil arrasou os bloquistas pelo país inteiro", defende o jornalista.
Daniel Oliveira não tem dúvidas de que a geringonça estava morta desde 2019, só faltava fazer o funeral, que acabou por acontecer agora.
"Agora, Bloco e PCP devem meditar, não naquilo em que muitos pensam que deve meditar, como voltar a cumprir o desígnio de manter o PS no poder. Têm de refletir sobre o papel que terão nestes quatro anos, não deixando ao Chega a função de representar o mal-estar social e à IL a de representar horizontes de mudança", aconselha.
Por fim, Daniel Oliveira lembra que uma maioria absoluta "serve para governar sozinho" e que António Costa fez isso mesmo nos últimos dois anos "e nem maioria absoluta tinha".
"Não tenho dúvidas de que o PS sozinho, e com o flanco de esquerda enfraquecido, virará à direita nestes quatro anos e se tornará muitíssimo arrogante. Não é só a maioria absoluta, são os seis anos que já leva de poder, que chegarão a dez, e suspeito que para manter a esquerda mobilizada no seu apoio, Costa usará a estratégia de Macron: fazer da extrema-direita reforçada e não do PSD o seu inimigo de estimação, dando-lhe força e usando-a como perigo permanente. Aconteceu em França e está mesmo ao virar da esquina. Daqui a quatro anos falamos", acrescenta.
* Texto redigido por Cátia Carmo