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Os acontecimentos deste fim-de-semana na República do Sudão (não confundir com o Sudão do Sul, independente desde 2005), são uma herança inevitável dos últimos anos do regime do ditador Omar Bashir, que governou o terceiro maior país de África, entre 1993 e 2019. Porquê?
Porque em 2013 Bashir, no contexto da guerra no Darfur (iniciada em 2003), decidiu apoiar as milícias Janjaweed, formando as chamadas Forças de Apoio Rápido, um grupo paramilitar que continuou a crescer, com o apoio do regime, após terem cumprido a missão para que foram criados. Em 2014 teriam entre cinco a seis mil militares;
Em 2016/17, 40 mil dos seus elementos participaram na Guerra do Iémen, em apoio às intenções sauditas. Aqui fica a prova de que Bashir investiu no desenvolvimento de uma força mercenária, que lhe poderia trazer proveitos em termos regionais, a gosto e sempre que se justificasse. No fundo seguiu a cartilha de Muammar Kadhafi na Líbia;
Dez mil destes 40 mil no Iémen regressaram ao Sudão, com vasta experiência de guerra, dos quais mil foram de imediato canalizados para o conflito na Líbia, em apoio ao Marechal Khalifa Haftar;
Em Abril de 2019, um golpe militar acaba com 30 anos de regime Bashir, iniciando-se no final do ano um "normal processo de transição do Poder dos militares para os civis". As aspas servem para sinalizar que esta normalidade tem/teve os altos e baixos inerentes a um país vasto, picotado por inúmeras étnias, inerentes relações de poder, inerentes interesses clânicos intra-tribais e intra-étnicos, mais a gula e a soberba dos homens. Na verdade, o Governo oficialmente era civil, liderado pelo Primeiro-Ministro Abdalla Hamdok;
Em Outubro de 2021, o actual "Homem-da-cadeira" do Conselho de Transição da Soberania, o General Abdel Fattah al-Burhan acaba com o referido "normal processo de transição" e coloca de novo os militares no Poder;
Entretanto, os paramilitares das Forças de Apoio Rápido, geridos pelos Serviços Secretos locais, continuaram a crescer e já atingiram o que se calcula em 100 mil homens armados. Comandados pelo General Mohamed Hamdan Dagalo, Hemetti para "os amigos", que
é também o Número Dois do "Homem-da-cadeira" do Conselho de Transição da Soberania, o General Abdel Fattah al-Burhan.
Uma "luta de galos" portanto, entre dois generais, que não auguram um futuro dentro da constitucionalidade civil a que as democracias obrigam. Os próximos dias deverão continuar a ser de guerra aberta, estando combinadas todas as condições para uma guerra civil generalizada no país, mais o contágio regional, com a guerra na Líbia em suspenso enquanto não se decidir o futuro da guerra na Ucrânia, a presença russa na República Centro Africana e a instabilidade crescente na Etiópia e no Sudão do Sul.
Melhores dias não virão para a República do Sudão!
A Acontecer / A Acompanhar
- 18 e 19 de Abril, "IV Conferência do Fórum do Mar dos Países da CPLP", no Auditório Óscar Soares Barata do ISCSP, Univ. Lisboa, Campus Monsanto;
- Entre 12 de Abril e 17 de Junho, em Marraquexe, Exposição "DISPOSITIONS & NOTHINGNESS", de Mariana Viana e Kátia Sá, na Galeria da Fundação Dar Bellarj;
- Todos os domingos, na Telefonia da Amadora, entre as 21h e as 22h, Programa "Um certo Oriente", apresentado pelo Arabista António José, um espaço onde se misturam ritmos, sons e palavras, através das suas mais variadas expressões, pelos roteiros do Médio Oriente e Ásia.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.
