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É possível que uma parte importante dos ouvintes já saibam que sou do Sporting. Espero que, para aqueles que não sabiam, isso não os leve a mudar de estação.
A vitória do Sporting surpreendeu todos, incluindo os sportinguistas. Para nós, depois de tantos anos de espera, teve um sabor muito especial. Winston Churchill dizia que a chave do sucesso é nunca desistir apesar dos fracassos. O Sporting é a prova disso. Mas se resiliência é necessária ao sucesso, não é suficiente. Talvez este sucesso inesperado também nos ensine algo sobre algumas das qualidades que contribuem para o sucesso.
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O principal mérito é atribuído a Ruben Amorim. Mas o treinador não joga, é apenas uma componente, ainda que a mais importante: o líder da equipa. E a escolha mais importante de um líder é sobre com quem trabalha: quem pode exprimir e potenciar as suas qualidades e ajudar a corrigir os seus defeitos (e todos os líderes os têm). Sem o staff e jogadores certos não vencia. Essa conjugação não foi fruto do acaso. Talvez o mais marcante da equipa do Sporting foi a ideia de coesão que transmitiu dentro e fora do campo. Tinha uma identidade clara. Há equipas que conseguem vencer pela simples acumulação de talento e sorte. Mas os principais exemplos de sucesso são equipas com uma forte identidade. Mourinho teve sucesso quando as suas equipas tiveram essa identidade (ainda que, frequentemente, construída a partir do conflito com os outros). As equipas de Guardiola têm essa identidade assente num modelo de jogo que alia a liberdade à solidariedade permanente entre todos jogadores. No futebol, Guardiola é liberal e arquiteto, Mourinho é guerreiro e engenheiro, mas, em comum, têm a identidade muito forte em que assentam as suas equipas. Foi a construção dessa identidade muito forte que permitiu ao Sporting compensar o orçamento mais baixo ou a juventude do seu plantel.
Claro que sem Varandas não teria existido Amorim no Sporting. O principal mérito do Presidente do Sporting foi confiar mais na qualidade do processo de decisão do que temer a reação e escárnio públicos. Não creio que a escolha de Amorim tenha sido uma aposta de casino. Não se tratou de dobrar a aposta dos erros anteriores, mas sim de aprender com eles. Dizem-me que antes de Ruben Amorim ser treinador da equipa principal do Braga, a direção do Sporting já teria ponderado a sua contratação com base numa análise muito profunda e científica de diferentes treinadores. Não o fez, talvez receando uma oposição violenta face a um treinador que então tinha ainda menos currículo e era visto como simpatizante de outro clube. Quando o presidente do Sporting pareceu fazer uma aposta de casino estava, antes, paradoxalmente, a apostar na ciência e no método como base da sua decisão. Dessa vez, Varandas ignorou o ruído e confiou no método. Aquilo que um livro recente do Nobel da economia Kahneman define como o caminho para melhores decisões.
Nada disto garante sucesso, no entanto. Garante apenas uma maior probabilidade de sucesso. Há sempre variáveis incontroláveis. Se o jogo em Braga tivesse pendido para o outro lado não sabemos se o Sporting seria campeão. O que o Sporting fez foi colocar-se em melhor posição de ser bafejado pelo sucesso.
Que o sucesso se promove, mas não se garante, deve ser recordado por todos no Sporting. Pelos adeptos, que devem estar preparados para perder e não confundir isso com a perda das condições que nos colocam mais próximo do sucesso. Pelo presidente, que não deve transformar a autoridade que este sucesso lhe traz num caminho para a arrogância, como, infelizmente, é tão comum no futebol. Isso sim, seria regredir no caminho do sucesso.