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Uma fornada de homens brancos irritados reuniu-se, no último fim de semana, na Maia. São rapazes e figuras públicas embalsamadas do ponto de vista ideológico, mas falam, berram e indignam-se como se ainda fossem a tempo de evitar a extinção da espécie.
Segundo o Jornal de Notícias, até um dirigente nacional e um autarca do Chega participaram no terceiro congresso do grupo Reconquista, cenáculo atrevido de extrema-direita constituído por lusitos, puros e alvos, e ilustres académicos cheios de mofo. Da sua ementa agregadora, fazem parte a supremacia branca, o ultranacionalismo, a expulsão de imigrantes, o regresso dos homossexuais à clandestinidade e das parceiras aos afazeres do lar. Para o fundador deste Clube do Bolinha da era digital, o direito de voto das mulheres "foi a pior coisa dos últimos cem anos".
Os seguidores do Reconquista pretendem convencer-nos de que são modernos, disruptivos e homens de bem. Na verdade, transpiram a naftalina: são reacionários e dados à musculação do acosso, do ódio e das conspirações sobre um mundo do qual se sentiam donos e senhores.
Este universo deve valer alguma coisa em termos eleitorais, caso contrário nem o histriónico Pedro Frazão nem o fanático Francisco Araújo, bem calçados naquele partido unipessoal, andariam por ali. Quero crer, porém, que o Reconquista e seus seguidores, com mais ou menos bigodes, estão condenados a figurar como gravuras rupestres de um tempo que já deu demasiados passos igualitários, ainda que lentos, para voltar atrás.
É certo que não devemos subestimar nem acicatar a frustração de certa masculinidade perplexa com a perda de estatuto e domínio, fustigada pelo capitalismo predador. Mas convenhamos: a culpa dos dolorosos empréstimos da casa, da precarização dos empregos, da fragilidade dos seus quotidianos não é dos imigrantes nem das feministas.
Como explicou o sociólogo Michael Kimmel no seu livro sobre a decadência da masculinidade americana, não é provável que as mulheres venham a experimentar "uma momentânea revelação cósmica" que as leve a renegar direitos conquistados a duras penas, entre eles votar, aceder à universidade e à magistratura, sindicalizar-se, trabalhar fora de casa, servir um exército ou atingir o orgasmo. Por muitos "reconquistas" que aí andem, alguém as imagina a dizer que, de facto, o melhor é regressar ao que tinham antes, posição missionária incluída? Esperem sentados.
Dito isto, tenho apenas um conselho para os rapazes do Reconquista: cresçam e apareçam. E, já agora, não façam como certos ídolos, com bolas de ouro, que se julgam superiores apenas porque pensam com os pés
