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A imigração não tem sido objeto de combate político em Portugal e é importante que assim continue. Dois factos devem ser pressupostos de qualquer debate nesta matéria. Primeiro, somos um dos países da União Europeia com menos imigrantes em percentagem da população (19º entre 27 Estados Membros). Segundo, somos dos Estados que mais necessitam de imigrantes devido à diminuição e envelhecimento da nossa população. Sem um aumento significativo da imigração o nosso Estado social será insustentável a médio prazo. É o que nos diz um estudo coordenado por Francesco Franco (da FEUNL) para a Fundação Gulbenkian. Este estudo estimou a diferença no saldo orçamental se a população ativa continuar a diminuir. Com a atual evolução demográfica (ou seja, mantendo os atuais níveis de natalidade e saldos migratórios; a diferença entre imigrantes e emigrantes) iremos ter cada vez menos pessoas em idade ativa (a pagar impostos e contribuições). Se se mantiver a percentagem de rendimento com que contribuem para o Estado (que já é muito elevada) esta evolução demográfica irá conduzir a um enorme buraco nas contas públicas a médio prazo: um défice superior a 20%. Isto só nos deixa três alternativas: ou cortamos a despesa do Estado em mais de 20%, ou aumentamos ainda mais a já insustentável carga fiscal ou conseguimos aumentar a população em idade ativa. Esta última exige políticas que promovam a natalidade e a imigração. O estudo demonstra que, por bastante bem sucedidas que venham a ser as nossas políticas de natalidade, nunca serão suficientes: necessitamos de bastante mais imigração. Isto é aliás também já visível na falta mão de obra em vários setores económicos.
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Temos de ter políticas pró-ativas de atração de imigrantes. Mas também temos de ter políticas e instituições adequadas para os acolher e "integrar" (nomeadamente para impedir situações de discriminação e exploração como as que recentemente tivemos).
Até recentemente a nossa política de integração dos imigrantes foi dada como um exemplo a nível internacional. Acho que para isso muito tem contribuído o facto deste tema nunca ter sido transformado em objeto de um combate político.
Como alertava a Susana Peralta num artigo da semana passada se, por um lado, Portugal é um dos países em que menor percentagem da população identifica a imigração como um problema, por outro lado, outros estudos de opinião indicam alguns preconceitos latentes que indiciam, infelizmente, um risco muito maior de problemas com a imigração. Acho que se não tem sido assim muito se deve ao bom senso que os partidos portugueses têm tido de não fazer disto tema de combate político.
Não apenas defendo isto como o pratiquei quando tive responsabilidades politicas. Talvez se recordem que em 2015 António Costa teve declarações públicas bastante infelizes em que dizia que os imigrantes seriam muito úteis para limpar florestas e trabalhar na agricultura, reforçando um certo estereótipo dos imigrantes. Defendi então que não era mais do que uma expressão infeliz e que devíamos evitar fazer combate político sobre o tema.
É por isso que vejo com preocupação o combate político dos últimos dias a propósito das declarações de Luís Montenegro e Carlos Moedas sobre a imigração. Creio que mais dos que as declarações em si, foi o contexto em que ocorreram que permitiu certas leituras políticas. Montenegro foi criticado por defender que devíamos privilegiar a imigração com maior proximidade cultural e histórica a Portugal. Mas é isso mesmo que o atual governo faz ao facilitar a imigração dos cidadãos dos PALOP face aos imigrantes de outros países. Carlos Moedas criticou a existência de vistos para procurar trabalho, defendendo que apenas devíamos ter vistos de trabalho. Discordo dele, mas a sua proposta não pode ser apelidada de xenófoba: sempre temos tido quotas, explícitas ou implícitas, e o que Carlos Moedas defendeu era a política em vigor até há muito pouco tempo.
A verdade é que já hoje diferenciamos entre imigrantes consoante a sua origem geográfica ou a sua capacidade económica ou profissional: o que são os vistos gold ou o regime fiscal mais favorável em vigor para os imigrantes mais qualificados se não formas de favorecer certos imigrantes em comparação com outros? Em vez de promover um debate sério sobre estes critérios de diferenciação falou-se como se não existisse esta diferenciação.
Vejo as críticas feitas a Montenegro e Moedas como resultado de uma conjugação de fatores. Primeiro, como disse o Presidente da República há temas tão sensíveis em certos momentos que qualquer declaração política sobre eles é perigosa por ser facilmente sujeita ao equívoco ou manipulação. Segundo, o PS está a tirar partido do silêncio do PSD sobre o Chega para o associar ainda mais ao Chega. Juntou essa ambiguidade, aos olhos da opinião pública, ao tema escolhido da imigração para aproximar o PSD do Chega e afastá-lo do centro. Para quem, como eu, defende há muito que o PSD devia ter uma posição clara excluindo um acordo com o Chega os últimos dias vieram expor alguns dos riscos políticos da posição contrária para o país e para o PSD. Mas também comprovam como o PS, infelizmente, parece o mais interessado de todos em aumentar esses riscos em vez de os diminuir. Ao PS irá explorar tudo o que permita apresentar o PSD como mais radical: é o seu melhor seguro de vida.