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No Irão a senda da contestação continua, na sequência da morte de Mahsa Amini, a iraniana cujo lenço torto na cabeça descambou numa morte duvidosa, em consequência da violência com que se imagina sejam tratados/as todos/as que entrem em esquadras de polícia em regimes totalitários. A intensidade e consistência destas manifestações diárias, incluindo gritos de ordem "vai-te embora" ao Presidente, aquando da cerimónia de início do Ano Lectivo, Sábado 8, na Universidade de Teerão, levam já os especialistas no país em considerarem este momento como uma "mini-revolução"! Não se pode considerar uma novidade, já que a cada 2 anos tem-se registado no últimos 10 anos, este pico de contestação sazonal, por alguém que é acusado publicamente pelo vizinho de adultério, por não ter cumprido o jejum na integra, pela realização de eleições, tem sempre havido este movimento contestatário e que no fim tem sido sempre abafado.
Qual é o verdadeiro "problema" do Irão?
"Problema" na verdade deverá ser substituído por "Circunstância(s)" e o "problema" é de facto do Ocidente, que não quer, porque não pode, negociar "liberdades nucleares" por liberdades individuais. E este parece-me ser um ponto que não necessita de grandes explicações. "Não pode", porque se tratam de "liberdades" em patamares dispares, em nada equivalentes, uma "liberdade" que afecta a Humanidade e outra que afecta a cabeça de uma mulher de cada vez! Verdadeiro problema no Irão e na "Nação Islâmica", trata-se da "Shariat", a Lei Islâmica, redigida e consagrada num Mundo simples, para combater problemas simples, no contexto das relações humanas. O roubo, a maledicência, o adultério. Precisamente o adultério, para o qual a "Shariat" refere que são necessárias 5 testemunhas idóneas, que presenciaram o acto, para poder validar a sentença. Estão a imaginar 5 idóneos iranianos escondidos num armário, a cada vez que um(a) iranian(a) é condenado(a) por tal crime? Ou seja, já introduzimos o elemento humano em algo que é suposto ser divino, a referida Lei, o que condena tudo ao erro, já que o Homem é erro, com milhares de anos de jurisprudência na matéria, nunca considerados enquanto tal!
O "Homem é erro" e as iranianas (e não só) sofrem actualmente por um erro de palmatória que a Humanidade transformou em argumento válido, o anacronismo, julgarmos actos do dia de hoje com perspectivas e valores do passado. Por isso mesmo continua a haver alguma inconclusão nos debates históricos relativos à escravatura e à colonização, precisamente porque o contrário também é "Desporto Mundial", julgar o passado com os olhos e os valores de hoje. Por isso mesmo vemos uma "mixórdia de temáticas" no actual argumentário do discurso feminista e das questões de género, que não compreendemos e naturalmente rejeitamos, ou adaptamos à nossa guisa, para pelo menos nos mantermos na moda. Mas não é isso que dá coerência à coisa, antes a complica ainda mais e nos divide nas opções.
Burkina Faso: Uma actualidade
Passada uma semana sobre o golpe em Ouagadougou pelo Capitão Traouré, a novidade é a divulgação que o deposto Tenente-Coronel Damiba, até há pouco em paradeiro desconhecido, se encontra instalado no Togo e bem de saúde.
O Burkina, actualmente a vestir-se literalmente com as cores da bandeira russa, sendo o mais impressionante ver-se nas reportagens a população, que não sabe sequer se tem almoço ou jantar nesse mesmo dia, mobilizar-se em comprar tecido para fazerem a bandeira tricolor russa, roupa a condizer e irem para a manifestação. Não se percebeu muito bem a necessidade deste golpe, quando o penúltimo foi há apenas 8 meses. As razões apontadas para este são as mesmas apontadas para o penúltimo, segurança. A crise económica que vigorava é a mesma, a evolução no processo é nula, ou melhor, até regrediu, que o Burkina já se tinha acertado com a CEDEAO para a suspensão das sanções, que irão certamente voltar em força.
Perante isto, até se imagina que o golpe do Capitão Traoré tenha sido um contragolpe ao de Janeiro, para contrariar a influência russa no país/região, mas nem disso há sinais actuais. Na verdade, o Movimento Patriótico para a Salvação e Restauração (MPSR), parece aguardar as decisões superiores da CEDEAO, da União Africana e da União Europeia, bem como das Nações Unidas, para ver o que pode Salvar e Restaurar, que para já apenas tem ocupado cadeiras. Sem acção, o MPSR prepara-se para a reacção!
A Acontecer/A Acompanhar
- 13 e 14 de Outubro, 5.ª Conferência de Lisboa, pelo Clube de Lisboa, no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian. Temas: Megatendências / Ameaças de Segurança / A Hierarquia das Guerras / Globalização / Energia e Emergência Climática / Pagamentos Internacionais / Revolução Digital e Vigilância.
Raúl M. Braga Pires é autor do site Maghreb-Machrek, é Politólogo/Arabista e escreve de acordo com a antiga ortografia
