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Numa leitura macro, a "jogada" do Hamas tem um alcance triplo, tendo para já dois objectivos atingidos. O primeiro, ocupar o vazio deixado pelo Estado Islâmico (EI), no seio da "Ummah", a "Nação Islâmica", enquanto porta-voz do "Islão Político", aquele(s) que quer(em) levar à prática a teoria inscrita no Corão. Neste sentido o Hamas é um "upgrade de terceira geração islamista". Depois da Al-Qaeda e depois do EI, é agora a vez do Hamas em segurar e levantar a bandeira do Islão fascista! Já repararam no regresso dos encapuzados e das vozes destorcidas aos telejornais? Missão cumprida, não esperando inovações quanto ao discurso que também já aí está de novo, sobre as grandezas de Deus!
Em segundo, por posição geográfica, o Hamas consegue fazer um dois em um, ao associar à sua causa (Deus), a causa palestiniana, já fora da agenda internacional e dos alinhamentos nos telejornais.
O terceiro objectivo, mais difícil, mas exequível na cabeça de quem vive no beco de Gaza, é travar o processo de adesões aos Acordos de Abraão, os quais têm estabelecido por fases a regularização de relações diplomáticas e comerciais, de estados africanos e do Médio Oriente com Israel. Ora quem está na calha para se tornar signatário de Abraão, é a Arábia Saudita, a maior potencia sunita e guardiã dos lugares santos do Islão. O Hamas precisa de levantar a bandeira do Islão para mobilizar a "Ummah" e travar Abraão, para garantir a sobrevivência política da Palestina enquanto projecto de Estado. Como é que se faz isto? Com um ataque da dimensão do deste fim-de-semana, com a divulgação das imagens dos raptos de militares e de civis israelitas, divulgando para todos os lados uma mensagem de medo, insegurança e vulnerabilidade.
A resposta israelita
o Primeiro-Ministro (PM) Benjamin Netanyahu terá agora como prioridade imediata salvar a vida a cerca de 100 dos seus nacionais sequestrados, não podendo para já "meter a carne toda no assador". Será do sucesso, ou não, desta negociação que todo o resto decorrerá, incluindo a possibilidade da queda do actual governo liderado por si, ou ainda a formação de um Governo de Unidade Nacional, que num cenário optimo, verá o actual PM israelita sair reforçado, mais do que nunca, após ter atingido o grau mais elevado de contestação popular e de impopularidade perante os seus.
Uma resposta de acordo com a retórica a que temos assistido nas televisões, "vamos destruir tudo", "vamos acabar com eles" e por aí afora, não será sábia. Sábio será incluir a Arábia Saudita enquanto mediador, dar ao guardião dos lugares santos o "estatuto de Vaticano" que todos lhe reconhecem, remetendo assim o Hamas para o seu estatuto de clube de bairro, enquanto se negoceia o regresso em vida dos/as raptados/as possíveis. Esta postura evitará um crescendo da "rua árabe", de Rabat a Sana"a e o regresso ao cenário europeu e americano das células adormecidas e prontas a activar, dos lobos solitários e do antrax por carta!
O envolvimento, por exemplo, dos actuais signatários de Abraão, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Marrocos e República do Sudão, juntamente com Arábia Saudita, Egipto e Jordânia, numa Troika negocial com o Hamas, passaria uma imagem de responsabilidade e de já se saber como desmontar estes abismos eminentes, que sazonalmente nos sobressaltam.
Ou seja, há uma outra forma de liquidar o Hamas sem ser pela forma bélica. Esta aliança de Abraão poderá contribuir para uma limpeza em gaza, necessária a todos os níveis. Falo de limpeza das ruas, de limpeza das "ervas daninhas" que intoxicam o caminho para o multipartidarismo necessário no território. Israel quer acabar com a possibilidade de o Hamas voltar a ser governo na Faixa de Gaza e é possível fazê-lo sem ser à bomba! Mas para isso os restantes "árabes irmãos", a referida "Ummah", também terá que forjar uns PPR"s para aplicar em gaza e dar adquiridos a uma população que quando se encontra "entre a espada e a parede", geralmente escolhe a espada!
A Acontecer/A Acompanhar
- 12 a 15 de Outubro, XXX Simpósio da Sociedade Espanhola de Estudos Árabes, Casa da Cultura Luso-Árabe e Mediterrânica, Silves, Portugal;
- Todos os domingos, na Telefonia da Amadora, entre as 21h e as 22h, Programa "Um certo Oriente", apresentado pelo Arabista António José, um espaço onde se misturam ritmos, sons e palavras, através das suas mais variadas expressões, pelos roteiros do Médio Oriente e Ásia.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.
