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Daniel Oliveira critica o aumento das taxas de juro como forma de conter a inflação e acusa Banco Central Europeu (BCE) de ter dado "o dito por não dito" e cedido à "pressão aos credores", recuando no que tinha afirmado meses antes. Ao subir as taxas de juro, Christine Lagarde propõe "acrescentar mais crise económica à crise económica que aí vem" - "uma decisão que será tão trágica quanto foi a da última crise", prevê o comentador na antena da TSF.
"Quando era governador do BCE, Mario Draghi explicou como se resolvem estas coisas, às vezes basta uma frase, mas Lagarde não tem peso político para tanto. Por isso, deu o dito por não dito, propondo acrescentar crise económica à crise económica que aí vem, uma decisão que será tão trágica quanto foi a da última crise", vaticina Oliveira. No seu habitual espaço de opinião, o comentador lembra que aumentar as taxas de juro para conter a inflação "não foi sempre um dogma": "Corresponde a um processo de destruição da economia para a arrefecer, reduzindo a procura, reduzindo, com isso, os preços". "Há quem defenda que tirar poder aos sindicatos, garantindo que o dinheiro é ainda mais injustamente distribuído pode ter o mesmo efeito", acrescenta, resumindo que esta é, em suma, "uma forma de piorar a vida das pessoas para que gastem menos, não permitindo que a procura seja muito maior do que a oferta".
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Daniel Oliveira defende que é "discutível que esta seja a melhor forma para contrariar a inflação" e que, aliás, "não estamos perante um excesso de procura", mas sim "com um grave problema de oferta que começou com descontinuidade da produção na China e problemas graves na distribuição por causa da Covid-19 e se agravou com a guerra pelo aumento do preço dos combustíveis e depois dos cereais e fertilizantes". Ou seja, "não há sobreaquecimento da economia", sustenta. O comentador aponta que a mesma "economista de peso" (Lagarde) que, em fevereiro, explicava que não fazia sentido subir as taxas de juro justamente porque a economia não estava sobreaquecida e que alertava que as consequências de o fazer "seriam recessivas", cedeu agora à "pressão dos credores", anunciando o aumento das taxas de juro que "considerava desadequado".
"É verdade que a inflação piorou - foi de 8% em maio na zona euro, mas, como recordou primeiro-ministro italiano, se excluirmos os alimentos e a energia, o aumento é metade disso. O desemprego era ligeiramente inferior a 7% e o consumo permanecia abaixo de antes da pandemia e acrescentou que o aumento da inflação não é exclusivamente um sinal de sobreaquecimento, mas, em grande parte, resultado de uma série de choques na oferta", sustenta o comentador, enfatizando que o que Lagarde disse em fevereiro continua a ser verdade agora. "O seu poder para resistir à pressão dos credores é que não", afirma.
O jornalista comenta ainda a "solução" que o ministro das Finanças, Fernando Medina, tem para enfrentar a subida das taxas de juro. Recorrendo à ironia, afirma que o governante português não tenciona contestar as taxas na Europa, porque "os europeus podiam achar que somos membros da UE e que temos opinião". "A nossa credibilidade depende da nossa invisibilidade. Não podemos aparecer no radar, já nos explicaram muitas vezes. O europeísmo do silêncio é a proposta democrática que nos resta", atira. Daniel Oliveira sublinha também que a solução de Medina - a contenção orçamental - "não é original", foi a receita usada por Pedro Passos Coelho. "Foi o que se aplicou na última crise e que o PS contestou. A contenção orçamental que Passos impôs e que Costa manteve quando as coisas corriam bem", assinala, sustentando que o que determina a sustentabilidade da dívida - "que não baixou com a austeridade" - é o que o BCE faz com a compra de dívida e com as taxas de juro associadas. "Se vem mais contenção orçamental, para além dos cortes nos salários reais, teremos cortes na despesa social, no investimento ou nos serviços públicos, porque alguma das coisas terá de ser", avisa, frisando que "tudo segue o padrão de 2009: primeiro deixar os credores impor as regras do jogo, sabendo que os países periféricos pagam sempre mais por isso; não se garante a proteção a quem está mais exposto à dívida; depois, usa-se a redução dos salários reais e os cortes orçamentais para conter o problema".
"Se a estratégia não reduziu a dívida na crise anterior, porque haveria de reduzi-la agora?", interroga-se, por fim, o comentador.
Texto redigido por Melissa Lopes