Corpo do artigo
A 27 de Agosto a violência e o conflito armado voltaram às ruas de Trípoli, a capital. 32 mortos e 150 feridos a assinalar, após meses de uma certa paz que se sabia pouco duradoura. Porquê? Porque o país encontra-se dividido em dois, com um governo em Trípoli e outro em Benghazi, naturalmente cada um com o seu Primeiro-Ministro (PM), respectivamente Abdul Hamid Dbeibah (pró-Turquia/Nações Unidas) e Fathi Bashaga (pró-Rússia/Egipto). Depois, para além destes dois governos, na verdade um oficial (Dbeibah em Trípoli) e outro oficioso (Bashaga em Benghazi), existe uma entidade nebulosa que concentra as lideranças e os interesses das várias milícias que apoiam cada um destes governos. Chama-se "Cartel de Trípoli" e representam a subversão da subversão, já que se imagina que são estes políticos que controlam e decidem sobre as acções das milícias, é exactamente o contrário, já que a política emana das decisões que estes Senhores da Guerra, sem aspas, decidem na sua "assembleia municipal de interesses". Resumidamente, o que aconteceu no passado 27 de Agosto, foi uma intentona de um gangster ligado ao PM oficioso Bashaga, de nome Haitham al-Tajouri, em destronar o PM oficial Dbeibah. Até aqui nada de novo, já que este momento era aguardado desde o início do Verão. A novidade é o facto de pela primeira vez armamento pesado e artilharia terem sido usados em pleno centro da capital, o que não augura nada de bom para o Setembro em curso, pelo que se imagina o que ainda estará por vir.
A equação é simples, a Rússia já marcou o seu ponto na Europa, já desestabilizou os mercados e colocou a nu as nossas vulnerabilidades, nomeadamente a dependência energética. Por outro lado, a actual guerra na Ucrânia também já acusa o cansaço de todos, dos militares, das populações, do público televisivo e das redacções. Ou seja, esta guerra começa a perder audiências e envereda por um caminho de "impasse positivo" através do nuclear. Isso mesmo, caso se entre pela via da ocupação e disputa de centrais nucleares, entraremos num caminho menos mau. Porquê? Porque os riscos são tão elevados que, aconteça o que acontecer, será impossível haver vencedores e entraremos no impasse negocial. É aliás para isso que serve o nuclear, para dissuadir! Fundamental nenhuma das partes perder a face e, na pausa técnica a que as negociações obrigam, será racional transferir a guerra do coração da Europa para a Líbia e Síria, onde a "constelação de aliados ocidentais" presente na Ucrânia também combate as ambições russas nestes dois países fora da Europa. Será "normal", ou melhor, racional, que o tão preocupante "papão do Inverno" não pape ninguém na Europa Central e a acção mude de cenário, tornando-se na chamada proxy war!
Voltando à subversão da subversão, será benéfico para a Europa, se em breve os conflitos (de interesses) armados se reacenderem na Líbia e na Síria, até ao final do ano.
Turquia e Israel regularizam relações diplomáticas
Agosto (17), também foi mês para ver esta normalização após dois episódios de maior tensão entre os dois países quase vizinhos e que obrigaram ao corte de relações entre ambos. Primeiro o bloqueio a Gaza e respectivo envio da Turquia da "Flotilha da Liberdade" (2010), com bens de primeira necessidade, travados na sua entrega por uma acção espectacular da Marinha israelita que impediu o navio turco de atracar e distribuir os víveres que transportava para uma população isolada e à mercê do seu Golias. Segundo, mais recentemente, há 4 anos, aquando da abertura da Embaixada Americana em Jerusalém, cujas manifestações também em Gaza, se saldaram em 60 palestinianos mortos.
A Turquia tem interesses alinhados com Israel, nomeadamente na Síria, onde ambos têm especial interesse em enfraquecer o Irão e obliterar todos aqueles que por ele são financiados. Por outro lado, no actual cenário de escassez energética na Europa, é possível que ambos os países acertem melhor os azimutes, relativamente ao gás que disputam ao largo de Chipre. Israel é aliás apontado como uma das possíveis soluções para a escassez de gás na Europa, registando já um aumento de 22% no fluxo enviado para o continente, só no primeiro semestre deste ano. Em Junho, Israel assinou um memorando de entendimento com Egipto e União Europeia, para um aumento da produção de gás em toda a região do Mediterrâneo Oriental, bem como das exportações. O Líbano é o país vizinho de Israel menos cooperante nesta matéria, já que não permite a deslocação do material flutuante israelita, para a extracção de mais desta matéria-prima
A Acontecer / A Acompanhar
- 06 de Setembro, lançamento do livro "Ceuta - Entre los siglos XV y XVII en archivos portugueses", de Joana Bento Torres, às 20h na Biblioteca Pública de Ceuta;
- 10 e 11 de Novembro Online Colloquium sobre a "Mística Islâmica no al-Andalus". Detalhes e inscrições nos sites da FCT e da NovaFCSH.
Raúl M. Braga Pires é autor do site Maghreb-Machrek, é Politólogo/Arabista e escreve de acordo com a antiga ortografia
