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Depois de vários dias de negociações, a União Europeia chegou a acordo sobre o fundo de recuperação: 750 mil milhões de euros. Dos 750 mil milhões de euros, 390 serão disponibilizados através de fundos. Desses, Portugal vai receber aproximadamente 15,3, dos quais 12,9 através do Mecanismo de Recuperação e Resiliência.
Como é que esse mecanismo funciona? Portugal tem de apresentar um plano à Comissão Europeia dizendo o que vai fazer com o dinheiro. A Comissão terá de avaliar esse plano e essa avaliação terá de ser aprovada pelo Conselho Europeu através de uma maioria qualificada.
Esse plano de recuperação tem de estar alinhado com as prioridades europeias, nomeadamente crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. E há uma condição que passou despercebida: os países precisam de cumprir os seus compromissos com a estabilidade orçamental. Desde a aprovação dos planos de recuperação, teremos 4 anos para executar as reformas acordadas. Para investimentos, teremos 7.
Se os objetivos estabelecidos nesse plano não forem atingidos, Portugal deixará de receber os fundos prometidos.
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Por mais difícil que seja acreditar, gastar todo esse dinheiro é um desafio. Não somos propriamente conhecidos por executar todos os fundos a que temos direito. São 5,7 mil milhões de euros ao ano, com uma concentração de fundos na primeira metade da década, quando em anos anteriores a execução não chegava muitas vezes a metade desse valor.
Mas tão ou mais importante que gastar tudo é gastar bem, criando valor, reforçando a competitividade e produtividade, qualificando a nossa economia e a nossa população. Também não somos conhecidos por gastar bem. Aliás, todo o debate que por cá se tem feito sobre a resposta europeia não indicia nada de bom: passámos a vida a discutir o quanto e o quando mas não houve nem há discussão sobre o como e o onde. Nem governo nem oposição abriram a boca sobre o assunto e não parece haver qualquer interesse mediático nisso. É pena.
A Europa não é uma caixa multibanco. Estes fundos são uma derradeira oportunidade de empreender a modernização e as reformas de que nosso país precisa. Esta ausência de debate só nos atrasa e só nos coloca na mão de decisores de improviso.
Não se devia estar a falar de outra coisa. E o Governo deveria estar a reunir com partidos e parceiros sociais para chegar a um acordo para reformar o país. Se me permitem a sugestão, gostaria de referir cinco objetivos que me parecem essenciais para este plano de recuperação.
Primeiro objetivo: preparar as novas gerações e a população ativa para o emprego de qualidade na era digital. Isto implica revolucionar a formação profissional ao longo da vida, rever as competências e programas escolares, universalizar o pré-escolar, flexissegurança laboral, ajuste das prestações sociais à formação ao longo da vida e uma adaptação do ensino superior e do sistema científico à economia do conhecimento.
Segundo objetivo: abertura robusta da nossa economia, para animar o investimento, a inovação, as exportações, o crescimento empresarial e a criação de emprego. No âmbito do Estado de direito, reforço radical dos direitos de propriedade, criação de mecanismos ágeis de justiça e cumprimento de contratos. No âmbito da carga fiscal e da despesa, uma carga fiscal pensada para o crescimento da economia e uma reforma na fiscalidade dos agentes económicos. No âmbito da regulação económica, assumir radicalmente a liberdade para fazer negócios sem depender do Estado, a liberdade para inovar e para ameaçar as empresas e os negócios. E no âmbito do funcionamento dos mercados, remover as barreiras à entrada das atividades económicas.
Terceiro objetivo: apetrechamento e financiamento do SNS como peça central do sistema, em coexistência com setores privado e social. Isso passará por reformas que garantam um acesso à saúde mais eficaz, mais rápido e mais universal, por alterações nos modelos de gestão e financiamento tendo a qualidade como eixo orientador, por simplificação da organização do sistema de saúde de forma a otimizar a capacidade de resposta e por uma aposta na ciência e na inovação.
Quarto objetivo: aproveitar transição para uma economia de baixo teor de carbono, para liderar a economia verde. Isso implica investimento infraestrutural, desde logo nos transportes públicos, na transição energética, em investigação e inovação e na liderança das economias azul e verde.
Quinto objetivo: digitalização, desburocratização, despolitização e requalificação da Administração Pública.
São 5 eixos, que me parecem essenciais. E seria tão positivo que, estes ou outros, estivessem neste momento a ser discutidos. Acabaram com os debates quinzenais? Pois comecem debates sobre isto para compensar. O país agradece. Não só para termos a certeza de que o gastamos bem, mas para termos a certeza que fiscalizamos quem o gasta e como.