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Depois de o Parlamento ter chumbado, no início do mês, a gratuitidade dos manuais escolares para alunos do ensino privado, Daniel Oliveira vem lembrar que a Constituição, que diz que o Estado tem de assegurar o ensino básico universal obrigatório e gratuito, sem ligar às condições económicas de cada um.
"É por isto que, em vez de se ficar pelo apoio na compra de manuais escolares para quem tem dificuldades financeiras, que já era assegurado, passaram a garantir-se manuais escolares sem custos nas escolas públicas. Este é um dado importante para o debate que se instalou sobre uma suposta descriminação dos alunos dos colégios. Os manuais são propriedade da escola, por isso têm de os entregar ao estabelecimento escolar em condições para serem reutilizados no fim de cada ano letivo. Se fossem para eles, ficavam com eles", sublinhou o jornalista no espaço de comentário na TSF.
Um debate que, na opinião de Daniel Oliveira, traz "a mesma água no bico de sempre", com os responsáveis pelo ensino privado a defender que o Estado devia entregar manuais gratuitos aos seus estudantes.
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"Como os manuais são devolvidos à escola para os alunos terem direito ao voucher, o que se está a defender é que o Estado ofereça a gestão dos manuais usados, que paga, aos colégios que selecionam os alunos pela capacidade económica dos pais. O Estado subsidia as refeições que são servidas nas escolas públicas, não nas privadas. Paga as contas, o pessoal auxiliar, os consumíveis e o equipamento dos laboratórios das escolas públicas. Apesar de os colégios privados precisarem de tudo isto para funcionar, nada disto é-lhes servido pelo Estado. Não se percebe porque carga de água é que deveria ser diferente com os manuais escolares", explicou Daniel Oliveira.
Para o comentador, os colégios gostariam que o Estado fosse pagando todas as despesas do negócio privado para que fossem uma "mera extensão da escola pública", mas gerida por privados.
"É um modelo possível e tem sido repetidamente tentado. Em 2003, Durão Barroso apresentou uma proposta de lei de bases da educação, vetada por Jorge Sampaio por fundadas dúvidas de constitucionalidade, em que se abria a porta ao financiamento público, quase indistinto, entre escolas públicas e privadas. Em 2010, Passos Coelho voltou à carga e apresentou um projeto de revisão constitucional que retirava a defesa da gratuitidade da educação, garantindo apenas que nenhum português deixaria de ter acesso à saúde e educação por insuficiência de meios económicos. Essa polémica é mais um round desse debate", lembrou.
Este modelo de ensino permitira às escolas escolher os seus alunos, "livrando-se de todos os problemas", desde os sociais aos disciplinares e educativos.
Todas pagas pelo Estado. Umas a evoluir depressa, outras em decadência
"Sem esses problemas evoluem mais depressa e tornam-se mais atrativas para os melhores. Assim, os colégios conseguem ficar nos primeiros lugares dos rankings. Do outro lado ficavam as escolas para pobres e para os problemas que atrasam cada turma e que seriam as atuais escolas públicas. Todas pagas pelo Estado. Umas a evoluir depressa, outras em decadência", defende o comentador.
Voltando a recorrer à Constituição, Daniel Oliveira lembra que o Estado deve criar uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população.
"É essa rede que está destinada à oferta universal e gratuita e, por isso, o financiamento do Estado. É claro que quando o Estado é incapaz de garantir esta oferta a uma determinada população, por falta de rede ou resposta especializada, tem de recorrer às alternativas privadas até criar condições para cumprir o seu dever. É o que faz com vários privados ou IPSS e, por isso, os manuais estão garantidos para colégios com contratos de associação", afirmou.
Quem quer pôr os filhos nos colégios privados é livre de o fazer e não deve ser criticado por isso
No entanto, o jornalista defende que os manuais continuem gratuitos para os alunos que estão no privado por falta de alternativa pública, mas só mesmo esse.
"Quem quer pôr os filhos nos colégios privados é livre de o fazer e não deve ser criticado por isso. Sabe, porque foi essa a sua opção, que não escolheu a escola pública gratuita, aberta a todos, mas uma solução paga e que pode selecionar os alunos. Se essa escola decidir incluir nos seus serviços a entrega de manuais escolares, custeando-as com as propinas que cobra, algumas bastante altas, será uma vantagem concorrencial que ganha, fora dos serviços que o Estado garante para todos funciona a economia de mercado. O Estado garante um serviço universal e gratuito de portas abertas para todos porque isso é condição para a igualdade de oportunidades e o desenvolvimento do país. Quem quer pôr os filhos nos colégios é livre de o fazer, pagando por isso. O dever do Estado é usar recursos escassos para investir mais e melhor nas escolas públicas para que ninguém ponha os filhos no privado por falta de qualidade do público. Não deve tornar esse objetivo ainda mais longínquo, desviando dinheiro para negócios que, sendo legítimos, não estão na rede pública", acrescentou Daniel Oliveira.
*Texto redigido por Cátia Carmo