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O debate sobre as subidas das taxas de juro não é, na verdade, sobre as taxas de juro, mas sobre a independência dos bancos centrais e a sua função de garantir a estabilidade dos preços. E, por ser sobre a sua independência, deve ser também sobre a responsabilidade na atual crise inflacionária.
Os governos que agora se queixam da subida das taxas de juros melhor teriam feito se se tivessem queixado lá atrás da incapacidade de atacar o problema quando a dor teria sido incomensuravelmente menor. Já não há dúvidas de que o BCE falhou por tardar a subir as taxas de juro.
O que os Executivos não podem querer é dividir responsabilidades, ficando com a responsabilidade de tudo o que correr bem e atirando para o BCE a responsabilidade do que correr mal. Mas é aqui que a independência dos bancos centrais dá jeito aos governos. Se têm razão à vez cada um, os ministérios das Finanças dão razão aos bancos quando toda a gente está de acordo e reclamam a razão para si quando ninguém se entende.
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Coisas que precisamos de saber, agora que Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa sacodem a água do capote:
1 - O Banco Central Europeu foi muito amigo dos governos, incluindo o português, quando manteve os juros próximo de zero e andou a comprar dívida, aumentando a liquidez no mercado, mas isso foi o que mais contribuiu para gerar inflação, quando a oferta deixou de estar ajustada à procura.
2 - Com a diferença entre as taxas de juro dos bancos centrais, de um ponto para a Libra e dois para o dólar, manter as atuais taxas vai desvalorizar o euro e tornar mais caras as compras em dólares, designadamente o barril do petróleo, contribuindo para manter a inflação alta.
Estes dois pontos são suficientes para nos recordar porque é que no final do século passado se generalizou a independência dos bancos centrais nos países democráticos. Os bancos centrais e o seu Conselhos de Governadores, não eleitos, mas nomeados pelos governos eleitos, também erram, como se viu na presente crise inflacionária, mas erram menos e são mais rápidos a corrigir os erros.
A Marcelo e a Costa até dá muito jeito esta independência do Banco Central Europeu, porque fica lá longe, em Frankfurt (e não em Bruxelas, como julga André Ventura que até já queria demitir o governador do Banco de Portugal, talvez por traição à pátria), e pode arcar com a responsabilidade dos políticos que se remeteram ao silêncio quando o BCE fez asneira. E não, não foi agora, foi lá atrás.