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As redes sociais foram o palco utilizado pelo Núcleo de Intervenção e Resgate Animal (IRA) para anunciar que as suas viaturas passariam a circular em marcha de urgência, quando estivessem em causa riscos imediatos para a vida de animais ou quando as equipas atuassem em apoio a operações de proteção civil. Durante uma semana, o "Jornal de Notícias" tentou obter esclarecimentos por parte de entidades oficiais - em primeiro lugar do Instituto de Mobilidade e Transportes (IMT), que terá concedido a referida autorização. Obteve apenas silêncio, um silêncio inaceitável para uma matéria tão relevante.
É verdade que o IRA está reconhecido como organização de voluntariado de proteção civil. Esse reconhecimento, por si só, não pressupõe qualquer autorização para marcha de urgência. Coloca-o lado a lado com outras 11 entidades com o mesmo estatuto, tão diversas como sejam, por exemplo, o Corpo Nacional de Escutas, os Paramédicos de Catástrofe Internacional ou a Associação Portuguesa de Espeleologia. Fica, assim, por explicar a razão para que o IMT tenha autorizado a marcha de urgência, num processo claramente atabalhoado que continua no segredo dos deuses.
O que sobra, isso sim, é mais uma evidência do quanto é banalizado o recurso a esta figura de exceção. O Código da Estrada regula as situações que justificam a marcha de urgência e em teoria estão reservadas a missões de polícia, prestação de socorro, segurança prisional ou serviço urgente de interesse público. É sobretudo ao abrigo deste último que se têm verificado os maiores abusos. Pontualmente saltam para o palco mediático casos de responsáveis políticos que tentam invocar interesse público quando são apanhados a circular a velocidades obscenas, que colocam em causa a segurança de terceiros.
Este episódio com o IRA merece esclarecimentos das entidades envolvidas. Mas reforça, muito além do caso em particular, a existência de uma cultura pouco exigente em torno da marcha de urgência. Só assim se explica que, apesar das sucessivas recomendações da Provedoria de Justiça, continuemos a não ter bases de dados claras sobre os veículos autorizados e sobre as situações indevidas detetadas. E, sobretudo, registos atualizados de entidades do Estado cujos veículos e condutores tenham invocado, quando fiscalizados, serviço urgente de interesse público. Num país com taxas de sinistralidade vergonhosas, é imperiosa uma cultura de disciplina e transparência.
