Ministro apressado e primeiro-ministro mesquinho são as únicas vítimas do "grande erro"
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A polémica sobre o novo aeroporto de Lisboa e a revogação de António Costa ao despacho do Ministério das Infraestruturas que avançava com a solução do Montijo (para estar em atividade no final de 2026) e Alcochete (quando este estivesse operacional), para depois fechar o aeroporto Humberto Delgado, foi o tema da crónica desta semana de Daniel Oliveira na TSF.
"Nenhuma comunicação pode correr bem dentro de qualquer organização, a começar por um Governo, quando um ministro sabe que o primeiro-ministro deseja que a vida lhe corra mal para não lhe suceder", começa por considerar o jornalista. Assim, diz, "é impossível transparência, frontalidade e lealdade."
Ainda assim, António Costa manteve Pedro Nuno Santos no cargo, onde poderia ficar "preferencialmente enfraquecido". A proposta não era desconhecida para muitos e, na opinião de Daniel Oliveira, o ministro das Infraestruturas e da Habitação continuou porque a solução apresentada para o novo aeroporto "no fim das formalidades que se seguem, será apresentada".
"O que Pedro Nuno Santos fez, e fez muito mal, foi atropelar compromissos do primeiro-ministro. Se não fosse por outra razão, o prazer que Costa já demonstrou em desautorizar este ministro, exigiria cautelas redobradas" e é provável que, "neste inacreditável tiro no pé, tenha pesado um aeroporto a rebentar pelas costuras, com danos brutais para o turismo, que infelizmente continua a ser o motor da nossa economia".
Para o jornalista, "depois de 50 anos a discutir a localização do novo aeroporto, Pedro Nuno não tenha achado relevante a formalidade de ouvir um líder do PSD, que já disse que considera a disponibilidade do Governo para o diálogo, sinal de fraqueza".
Mas, "é ao primeiro-ministro que cabe definir esta estratégia política e, mesmo que tenha muita vontade, Pedro Nuno Santos não é primeiro-ministro", opina. "Normalmente, António Costa resolveria isto como qualquer primeiro-ministro, a começar por ele, que resolve escorreganços deste género de ministros que não pretende demitir", arranjando forma "do ministro recuar da maneira menos danosa possível para o Governo, mas António Costa fez, porque queria fazer o oposto".
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"Em vez de ser o ministro a recuar no anúncio, coisa para que suspeito que estaria disponível, Costa fez questão de ser ele a anunciar o recuo, da forma mais visível e impactante possível e, depois, quis ter a certeza de que o ministro se humilhava publicamente e o mais possível, e ainda passando para os jornalistas que o teria avisado que esta era a última vez que tinha desculpa", considera o cronista.
No final, segundo Daniel Oliveira, António Costa "apareceu, no que seria um momento difícil para o Governo, com a alegria transbordante de quem acabou de ter uma grande vitória", uma vitória contra o seu próprio Governo, onde Pedro Nuno Santos foi alvo de uma "humilhação que deixará marcas" na imagem e no Partido Socialista.
Para o cronista, "o mais sintomático" de toda a polémica, foi perceber que António Costa "não querendo demitir um ministro que considera que o ultrapassou, o queira manter o mais fraco possível, apesar dos dossiês fundamentais que tem entre mãos, que prefira ministros fracos a ministros com alguma força para lhe fazerem sombra".
Daniel Oliveira considera que Pedro Nuno Santos "tem duas qualidades, associadas a dois defeitos": "tem opiniões próprias e pressa em deixar coisas feitas", levando-o a desrespeitar a hierarquia no Governo e "a ser impetuoso" e "por vezes fanfarrão", o que tornou o pedido de desculpas após a publicação do despacho "ainda mais difícil."
"Mas não são os seus dois defeitos que Costa abomina, são mesmo as suas duas qualidades", porque o primeiro-ministro português, segundo o jornalista, "gosta de seguidistas e gestores que não façam ondas" e, por isso, Pedro Nuno Santos "é e continuará a ser um corpo estranho no seu Governo".
"António Costa acha que o neutralizou, não sei se sim ou se não", duvida o cronista, porque "quatro anos é muito tempo e esta é uma daquelas crises que motiva mais a comunidade mediática e política do país, ao contrário dos incêndios de Pedrógão Grande ou da morte do emigrante ucraniano pelo SEF, ela não causou qualquer dano ao país".
Nesta história, "as únicas vítimas são os seus protagonistas: um ministro que deu um tiro no pé e o primeiro-ministro que fez tudo para que o acidente fosse ainda mais danoso para humilhar alguém que vê como um adversário direto. Perante o que temos visto no Aeroporto de Lisboa, deveriam ser outras as suas prioridades", conclui.
*Texto redigido por Clara Maria Oliveira