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Foi anunciado pela FIFA na passada semana que Marrocos poderá substituir a Ucrânia na candidatura ao Campeonato do Mundo de Futebol Sénior em 2030, candidatura essa que conta com o binómio Portugal/Espanha. Ou seja, Marrocos deverá juntar-se à candidatura ibérica à realização dessa importante prova, que faz parar o Mundo, menos as guerras, a cada quatro anos.
Em primeiro, a ideia peregrina de juntar a Ucrânia à candidatura ibérica, demonstra que a Política move-se sobretudo através da simbólica, através do "pensamento pensado e desejado", por muito que pareça impossível, "empurra-se com a barriga" para o desejado ser concretizado. Não me parece que ninguém tenha acreditado na possibilidade de a Ucrânia poder participar como organizador da prova, mas foi/é importante dar esse sinal de esperança aos ucranianos, de que a vida continua e que Putin não é eterno!
Em segundo, quanto à integração de Marrocos na candidatura portuguesa e espanhola, utilizo o "poderá" e o "deverá", porque ainda não vi os presidentes das três federações de futebol, lado-a-lado a assinarem o papel, nem tão pouco responsáveis políticos de primeira linha, destes três, apadrinharem essa possibilidade, aparentemente definida pela FIFA. Esta não é soberana, Portugal, Espanha e Marrocos são.
Para Portugal há vantagens, para os portugueses, dependendo da sua bússola política, há prós e contras. Tudo misturado, aqui fica o meu ângulo de análise.
Portugal não pode entrar em pé de desigualdade com Espanha nesta candidatura tripartida. Nesse sentido, deverá acertar o azimute com Marrocos, relativamente à Questão Sahraoui e fazer aquilo que Espanha fez há precisamente um ano. Sair da neutralidade e reconhecer o plano marroquino para a integração das Províncias do Sul no seu território. No fundo, trata-se de reconhecer na integra a Nova Constituição da Reino, de 2011, parida durante a Primavera Árabe e que em muito contribuiu para uma transição controlada entre o antes e o depois do primeiro semestre de 2011. O centro ficou reforçado, face à possibilidade das múltiplas periferias espartilharem o reino em mil pedaços, entre norte e sul, árabes e berberes, litoral e interior, Mediterrâneo e Atlântico, urbanos e rurais, entre ricos e pobres. Este descalabro não serviria a ninguém, Europa incluída. Nesse sentido, Portugal terá através desta candidatura conjunta, a possibilidade de ajudar Marrocos a consolidar a sua integridade territorial, essencial para a estabilização do Magrebe, da África Ocidental, do Mediterrâneo, da Europa do Sul e do Norte. Se queremos ser campeões, a união do balneário também passa por aqui!
Depois obrigará finalmente à abertura da ligação marítima entre Portimão e Tânger, projecto em estudo desde 2018 e que já viu certezas na boca de políticos locais em 2021, mas que até à data não saiu do papel. Até 2030, mais ano, menos ano, terá mesmo que acontecer, a bem do certame e do empresariado de ambos os países.
Por último obrigará à alocação de mais funcionários para o Consulado Português em Rabat, por via dos inúmeros carimbos que terão de "martelar" nos passaportes dos adeptos marroquinos que queiram vir a Portugal sem passarem por Espanha. Esta espectável vaga de marroquinos, permitirá também a necessária e já tardia desconstrução sobre os preconceitos e estereótipos que ainda nos povoam as mentes acerca do "marroquino errante de tapete às costas". Resolverá ainda um problema de hoje ao empresário português com funcionários marroquinos, quando os quer premiar com umas férias ou uma formação em Portugal, já que deixará de recorrer aos Consulados de Espanha sempre que o queira fazer, entrando também via Portimão em território nacional. Todos estes "simples" passos permitirão tornarmo-nos mais competitivos face a espanhóis e demais europeus que têm Marrocos como centro de produção.
Em conclusão, o copo poderá/deverá ficar meio-cheio, comparativamente ao meio-vazio actual. Ou seja, futebol não é desporto, é Política ao mais alto nível. Quem não compreender isto, continuará a dizer que "perder ou ganhar é desporto", quando podemos ganhar tudo, incluindo o Mundial 2030 e com um penalti do Ronaldo!!!
A Acontecer / A Acompanhar
- 20 de Março, 15h, Sociedade de Geografia de Lisboa, inauguração da Exposição "Património Migrante: entre a Índia e Portugal";
- Todos os domingos, na Telefonia da Amadora, entre as 21h e as 22h, Programa "Um certo Oriente", apresentado pelo Arabista António José, um espaço onde se misturam ritmos, sons e palavras, através das suas mais variadas expressões, pelos roteiros do Médio Oriente e Ásia.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.