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1. Foi há muitos anos. O meu irmão, o primeiro estudante universitário da família, levou-me durante alguns meses para a escola, nesse seu caminho para a universidade, dava-me boleia. Ele sabia que para chegarmos a algum lado, tínhamos de correr bastante pois começávamos o caminho mais atrás e por isso, todas as oportunidades de aprender e compreender o mundo, tinham de se aproveitar.
Eu miúdo, adolescente meio revoltado com o mundo, queria ouvir música. Ele, condutor e autoridade de irmão mais velho, dizia que não, que era para ouvirmos notícias e o rádio no carro ficava sintonizado na TSF.
Muito aborrecido, eu não tinha outro remédio senão anuir e, de olhar ao longe e perdido na paisagem durante a viagem, recordo-me de ouvir as vozes, as notícias, a arte da sonoplastia, a magia da rádio. Recordo-me de pensar que todas as pessoas que ali falavam deviam ser muito importantes porque muito sábias.
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Hoje, no dia de estreia desta rubrica semanal de opinião na TSF, não deixo de me emocionar quando me cruzo e falo com as vozes da rádio, viva-voz, frente a frente.
Importância não tenho nenhuma. Sou apenas um mensageiro. E agradeço à TSF poder cá vir entregar a mensagem.
2. Desde esse tempo, viajo para o presente.
No início deste mês, mais precisamente no dia 3 de março, eram cerca das 12h15, em Chernigov, é uma cidade pacata no norte da Ucrânia.
Um ataque aéreo sobrevoou-a e largou oito bombas com uma cadência igual. Eram as chamadas dumb bombs, as bombas estúpidas, por serem não direcionadas. Caem onde calhar, caem onde são largadas.
Sem qualquer sentido de alvo, as bombas estúpidas - tal como quem as lançou, quem as ordenou, quem as fez, nesse grande congresso de estupidez que é a guerra - as bombas, dizia eu - caíram com enorme estrondo junto a uma pequena praça ao lado da rua Kruhova.
Alina, de 21 anos, estava em casa com a avó quando o tempo ensurdeceu. Sentiu a casa tremer e dois segundos depois, todos os vidros estilhaçaram. Chamou a avó e esconderam-se nos corredores interiores da casa. Acha que foi isso que lhe salvou a vida quando julgava que nenhuma parede ficaria de pé.
Os seus pais tinham saído para ir buscar pão. Mas a fila era grande e decidiram regressar a casa.
A fila, essa fila para o pão, tinha 47 pessoas. Todas perderam a vida.
As bombas estúpidas tiram-nos o pão, a paz, a vida.
A mensagem que hoje quero entregar é apenas uma:
É urgente a paz.
