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"Señores guardias civiles/Aqui pasó lo de siempre/Han muerto quatro romanos/Y cinco cartagineses", escreveu Federico Garcia Lorca, pouco antes de o terem despachado sem cerimónia no escuro da noite andalusa, como mais um cartaginês. Se os guardas-civis que o assassinaram houvessem lido os seus versos, ter-se-iam, com certeza, considerado romanos, quanto mais não fosse porque muitos cartagineses eram escurinhos.
Esta sexta-feira, 31 de Janeiro, os ingleses vão-se embora da União. Eu vivia em Inglaterra quando, em Janeiro de 1973, eles aderiram às Comunidades Europeias e, a esse respeito, lembro-me de duas cartas curtas, publicadas no Times de Londres, que nessa altura era um jornal respeitado, uma assinada por Lord Ballogh, professor em Oxford, e por mais 199 pessoas, e a outra por Lord Kaldor, professor em Cambridge, e também por mais 199 pessoas, todo este mundo ensinando economia em universidades do Reino Unido. Ballogh e Kaldor eram sábios conhecidos por terem vindo asilar-se na grande ilha livre, a seguir às invasão e repressão soviéticas na sua Hungria natal, em 1956. As cartas diferiam só numa palavra: a de Ballogh dizia que os signatários estavam de acordo com a adesão; a de Kaldor dizia que não estavam.
Se se considerarem docentes de economia representativos da opinião geral de um país, tem de concluir-se que ingleses e escoceses e galeses e irlandeses do Norte estiveram sempre com um pé dentro e outro fora do que é hoje a União Europeia. E se se forem ver outras provas ou sinais - por exemplo, os referendos de 1995 à chamada Constituição Europeia na França e nos Países Baixos que foi rejeitada nesses dois estados fundadores - o mesmo se terá passado com outros estados-membros. E há mais sinais de desamor: desde que, em 1979, se decidiu que os deputados europeus passassem a ser eleitos por sufrágio universal, em vez de serem, como até então, escolhidos pelos seus parlamentos nacionais, o número absoluto e percentual de votantes foi baixando sempre (salvo nas últimas eleições, já depois do referendo inglês, quando alguns eleitores porventura se assustaram) e os governos - Alemanha à frente -, a cada baixa de popularidade, respondiam com aumentos da importância das funções do Parlamento Europeu. Caso de teratologia constitucional, este continuará a ser empecilho ao desenvolvimento da democracia.
Mas o pior não é isso. Em 1957, em Roma, francês dado ao mar e às letras, preconizou no preâmbulo do tratado que os estados procurassem uma "ever closer union" (agora é tudo em inglês...). Essas três palavras já afugentaram os ingleses, assustam muitos outros e vão fazer mais mal. Nem os alemães, divididos e proibidos de ter pátria, conseguiram fazer da União Europeia uma. E vai faltar-nos bom senso inglês.
Tudo bule com as nossas tradições. Dantes tínhamos o nosso 31 de Janeiro, no Porto. Resta-nos o 1 de Fevereiro, em Lisboa: ceguinhos a cantar que tinham morto o Rei e o Príncipe Real e fora triste cena de horror no Reino de Portugal.
O autor não escreve segundo a grafia alterada pelo Acordo Ortográfico de 1990