Corpo do artigo
Opinião todos temos e todos a damos. O que proponho é "análise com fronteiras" delimitadas pelo Grande Magrebe, da Mauritânia à Líbia, pelo norte de África, de Marrocos ao Egipto, pelo Sahel, do Senegal ao Sudão. Semanalmente, a cada segunda-feira, este espaço trará uma síntese dos principais assuntos que marcaram a agenda da semana anterior neste grande "bloco de areia" do Mediterrâneo à "fronteira norte" da África Subsariana. A TSF ocupa assim um vazio informativo e analítico no panorama jornalístico nacional, há muito negligenciado, por não se tratar de uma "África tradicional portuguesa". Por falar nesta, o Espaço Lusófono africano com forte presença islâmica, também terá o seu destaque sempre que se justifique. A proposta é esta e os temas desta semana são os seguintes:
Marrocos em fogo-de-artifício!
- A semana marroquina teve três acontecimentos, cuja importância e alegria fizeram de facto a pirotecnia sair à rua. O primeiro, foi a vitória do Widad Casablanca por 2-0 face aos egípcios do Al-Ahly, na final da Liga dos Campeões de África. Falo de futebol e uma vitória é sempre uma vitória, mas esta teve um sabor especial, já que se tratou de derrotar uma equipa do republicano Egípto, país/regime que não se coíbe em ridicularizar, sempre que pode ou lhes dá jeito, certas tradições e protocolos da monarquia alaouita, considerando-as de práticas medievais. O povo saiu à rua e o fogo-de-artifício também, a 30 de Maio!
- A segunda razão para o regozijo dos marroquinos, foi o nascimento de mais um membro da família real. O irmão do Rei Mohamed VI, Moulay Rachid, foi pai pela segunda vez na madrugada do Primeiro de Junho, com o nascimento de Sua Alteza Real o Príncipe Moulay Abdeslam. Na tradição da Casa Alaouita, o nome da descendência real é decidida pelo monarca em exercício. Assim, Mohamed VI decidiu baptizar a criança Abdeslam, por se tratar do nome de um dos filhos cadetes do Sultão Moulay Youssef, o seu bisavô, mas também porque um dos filhos de Mohamed III se chamou Abdeslam. Mohamed III, o Príncipe Erudito, cujos talentos diplomáticos contribuíram em muito para evitar os avanços e ocupação do reino por Napoleão Bonaparte, no início do Século XIX. Simbólico, sem dúvida. O povo saiu à rua e o fogo-de-artifício também, a 02 de Junho, dia da comunicação oficial do Palácio.
- A terceira razão, também teve fogo-de-artifício, mas não tão transversal à população e território. Assinalou-se a 30 de Maio a abertura da delegação do canal de televisão israelita i24News em Rabat. No seguimento dos Acordos de Abraão, que acordo após acordo vão estabelecendo a normalização das relações diplomáticas entre Israel e países árabes, até então hostis à própria existência de Israel, a abertura desta delegação da i24News é a quarta, após a abertura de delegações nos Emirados Árabes Unidos, no Bahrein e no Sudão. Curiosamente, ou talvez não, após a abertura desta delegação é transmitida uma reportagem/notícia, a qual dá conta de uma ligação directa entre os independentistas da POLISARIO e membros do Hezbollah e do grupo de mercenários russos Wagner, demonstrativa dos interesses mútuos de ambos os países no que toca à defesa e segurança. No final da cerimónia que inaugurou esta delegação televisiva israelita em Rabat (prevê-se a abertura de outra em Casablanca), o fogo-de-artifício jorrou das ameias do Chellah, as ruínas romanas que serviram de palco a este evento.
Tunísia de novo em transe!
- 02 de Junho marca um novo "golpe de asa" do Presidente Kais Saied, já que demitiu 57 juízes, acusando-os de corrupção e de protecção a suspeitos em casos de terrorismo. Tem o Presidente tunisino o poder de demitir juízes? Tem. Porquê/como? Trata-se de um processo iniciado a 25 de Julho de 2021, com a suspensão do Parlamento e demissão do Primeiro-Ministro Hicham Mechichi, concentrando em si o Legislativo e o Executivo e, em Janeiro último, suspendeu o Conselho Superior de Magistratura, acumulando também o Judiciário. Há um ano que o Presidente Saied governa por decreto, tendo nomeado uma Primeira-Ministra, Najila Bouden e um Governo de iniciativa presidencial, sem grandes poderes, já que a palavra final cabe sempre ao Presidente.
O plano de Kais Saied é simples e publico, concentrou todos os poderes em si, para poder levar os tunisinos a referendarem uma nova Constituição à qual se refere como Nova República, na qual pretende exercer um "Presidencialismo presidencialista" de plenos poderes e legitimado pelo povo. Esta consulta popular terá lugar a 25 de Julho. Durante o passado fim-de-semana, manifestações violentas tomaram conta da capital, Tunes, já que cinco (pequenos) partidos de esquerda concentraram uma centena de manifestantes, frente ao edifício onde se reunia a Comissão para a Organização do Referendo. Em protesto contra a realização do mesmo, a maioria dos cartazes de protesto tinham escrito "Comissão do Presidente = Comissão de Fraude". Estes protestos terão pavio para se prolongarem durante esta semana e crescerem ainda mais até à data
do referendo. Por outro lado e em resposta à demissão dos referidos 57 juízes, a magistratura tunisina iniciou um período de greve geral em todos os tribunais, a começar hoje, 06 de Junho e que se prolongará durante toda a semana. Certamente até ao próximo dia 25 de Julho, voltaremos várias vezes à actualização deste processo, naquele que é considerado como o "berço da Primavera Árabe" e que também já foi dado como o exemplo do que correu bem, nos vários processos de transição.
A acontecer / A acompanhar
Dado tratar-se da semana das celebrações do 10 de Junho, a Embaixada de Portugal em Marrocos, organiza uma série de conferências sobre a presença portuguesa no reino ao longo dos séculos. Tendo como palestrante o Arquitecto Frederico Mendes Paula, que apresentará cinco vídeos de sua autoria sobre o tema,
- 06 de Junho, em Rabat, integrado no Salão Internacional da Edição e do Livro, às 17h na Sala Les Oudaia;
- 08 de Junho, em Marraquexe, às 17h no Espaço Meydene Expérience;
- 10 de Junho, em Casablanca, às 10h, na Faculdade de Letras e Ciências Humanas Ain Chock - Universidade Hassan II.
O Camões - Centro Portugal Português em Rabat, participa este ano no Salão Internacional da Edição e do Livro de Marrocos, que decorre em Rabat, de 02 a 12 de Junho.
*O autor do site Maghreb-Machrek é Politólogo/Arabista e escreve de acordo com a antiga ortografia.
