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Homicídios, raptos, crimes sexuais, assaltos à mão armada, tráfico de droga, crimes de colarinho branco, corrupção. Foi disto que, ao longo dos anos, nos habituámos a falar, quando o tema era a Polícia Judiciária - PJ para os amigos. Quase sempre para elogiar a eficácia, por vezes para questionar os exageros.
Não sendo Portugal um país particularmente violento, pelo menos quando nos comparamos com outras sociedades ditas civilizadas, era a este tipo de crimes que a nossa PJ se dedicava com evidente competência, ao ponto de se poder dizer que a maioria dos portugueses tem genuína admiração pelo trabalho dos homens e mulheres que ajudam a garantir a nossa segurança coletiva.
Dizia que era desse tipo de crimes que nos habituámos a falar, quando a PJ era chamada a intervir. No entanto, e nos últimos tempos, vai-se impondo no espaço público um discurso intolerante e violento, que conduz a outro tipo de crimes, que muitos, diga-se, nem sequer percecionam como crimes. E a PJ, pelos vistos, está a ser obrigada a dirigir a sua atenção para eles.
Nos últimos dias, o diretor da Polícia Judiciária, Luís Neves, insistiu por duas vezes no tema, em declarações públicas e numa entrevista. Cito uma passagem que me parece resumir o problema. Diz então Luís Neves: "Nas redes sociais há hoje uma violência verbal tremenda, uma violência contra todas as formas de diversidade humana: de género, de raça, de religião, de opinião política".
E no que degenera esta insanidade social? Voltemos a Luís Neves: "Vemos assomos de masculinidade tóxica em que se perseguem mulheres só por serem mulheres, ataques raciais, religiosos, ideológicos. Isso está a crescer e a transbordar para a violência quotidiana, individual e coletiva. E essa violência leva ao cometimento de crimes sérios, com mais violência na ação".
O diretor da PJ podia ter ficado por aqui. Mas, como sabe o que está na origem desta ameaça, aponta diretamente à fonte: a extrema-direita. O que Luís Neves não diz, porque não é um político, é o que é exatamente a extrema-direita, ou quem faz parte da extrema-direita. E, portanto, quem devemos responsabilizar pela normalização de discursos abertamente xenófobos e disfarçadamente racistas, ou pela divulgação de notícias falsas sobre crimes pretensamente cometidos por gente com outra cor de pele, religião ou etnia.
Nem diz o diretor da PJ, nem direi eu. Todos sabem, ou deviam saber, que não se trata apenas dos Mários Machados desta vida, ou dos grupelhos de neonazis. Não é por não se andar de moca na mão a rachar cabeças que deixa de se ter responsabilidade política. A violência verbal gera, mais cedo do que tarde, violência física. E a vítima pode ser qualquer um de nós.
