Daniel Oliveira considera que os trabalhadores nunca vão recuperar tudo aquilo que perderam por não terem lutado durante o tempo da 'troika'.
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No espaço de comentário semanal que ocupa na TSF, Daniel Oliveira afirmou que o aumento das greves durante o Governo da 'geringonça' se deve ao facto de os trabalhadores terem recuperado do medo que os assolou durante a governação de Passos Coelho.
"Muito do que os trabalhadores exigem agora foi perdido nas lutas que não fizeram no tempo da troika. Nunca recuperarão dos efeitos do seu medo e da sua mansidão. Não há greves retroativas", diz Daniel Oliveira.
O jornalista recorda que em 2018 houve 260 greves e que, só desde o inicio de 2019, já houve 112 pré-avisos. Os números contrastam com os do período do Governo de Passos Coelho, em que, ao longo de quatro anos, houve apenas 85 greves.
"Tendo em conta o que Passos e a troika fizeram aos funcionários públicos e a todos os trabalhadores, a diferença é perturbante", comenta.
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Daniel Oliveira avança com várias explicações para o fenómeno. A primeira é o "fim do medo": "As pessoas interiorizaram a culpa da crise e não quiseram exigir mais. Agora, despertaram desse medo."
"Até a UGT, que assinou um acordo com Passos Coelho - o que, num país com mais tradição sindical, decretaria a sua morte -, já fala grosso", atira o comentador.
Outra explicação considerada é o "oportunismo eleitoral": "Os partidos da 'geringonça' não querem ceder a liderança sindical. O preço do apoio ao Governo é uma maior capacidade reivindicativa, sobretudo em ano de eleições."
Todavia, para Daniel Oliveira, a "explicação mais plausível é a da descompressão social". "Depois de uma crise, é natural que os que mais sofreram com ela respirem e ganhem força para lutar", constata. "Este Governo não diz aos trabalhadores que eles vivem acima das suas possibilidades. Os trabalhadores do setor público sentem que podem conquistar mais e é por isso que fazem greve."
O comentador repara, no entanto, que "é curioso que a luta mais acirrada venha dos que mais recuperaram com este Governo": os funcionários públicos.
Daniel Oliveira censura o "cinismo" da direita, que, simultaneamente, aplaude as recentes greves, mas ataca António Costa por ter criado demasiadas expectativas aos trabalhadores. "A alternativa é o oportunismo de pessoas como a bastonária dos enfermeiros, que ainda há uns anos era conselheira de Passos [Coelho] e apoiava a austeridade contra os trabalhadores do Estado", critica.
O jornalista não tem dúvidas de que "a vantagem de um Governo de esquerda não é serenar os trabalhadores e torná-los mais passivos", mas, sim, "dar-lhes força para serem mais ativos".
"O único senão de tudo isto é o risco de os trabalhadores confundirem a sua maior capacidade de luta com fraqueza do Governo", alerta. "Isso daria razão aos que acham que a melhor forma de lidar com as expectativas dos trabalhadores é não lhes dar quaisquer expectativas."
"O que assusta não são as 260 greves de 2018 e as 112 marcadas desde janeiro [de 2019]. O que assusta são as 85 do tempo de Passos."
Texto: Rita Carvalho Pereira
Nota do autor: Nesta crónica há uma comparação de números que está factualmente errada. Em mês e meio houve mais pé-avisos de greve do que em todo o último ano de Passos. Essa era a comparação que ali devia estar. Apesar de não alterar o fundamental do argumento, muda a proporção da diferença e a sua natureza. Pelo erro, que tendo sido a crónica gravada no estrangeiro só agora, regressado, pude verificar, peço desculpa aos ouvintes e leitores.