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Estamos, então, pela quarta vez desde março, em estado de emergência... As medidas de combate à pandemia anunciadas sábado à meia-noite pelo primeiro-ministro, a pedido do Presidente da República, suscitam-me inúmeras perguntas para as quais não encontro resposta satisfatória.
- Porque é que manter as famílias fechadas em casa durante as tardes de fim de semana é uma medida mais sensata, mais eficaz e de melhor economia do que uma contratação imediata, séria, não precária, de mais médicos e de mais enfermeiros para o Serviço Nacional de Saúde?
- Porque é que no queijo com as percentagens de motivos de contágio por Covid-19, apresentado por António Costa, a soma das parcelas só dá 95% e não 100%?
- Porque é que os 5% em falta não aparecem no gráfico, o que diminuiria o impacto visual dos 68% de contágios provocados em família, e são discretamente colocados numa nota de rodapé que explica ser esse o valor de contaminações com motivo indeterminado?
- Como é nesse estudo sobre as formas de contágio dos portugueses não há um único valor para infeções transmitidas em transportes públicos?
- Como é possível nesse estudo não haver uma avaliação para contágios em restaurantes, centros comerciais e outros lugares de grande circulação pública?
- Porque é que não há medidas específicas em bairros degradados, principais locais de focos de contágio em zonas urbanas?
- Porque é que não há medidas adicionais de maior reforço de segurança sanitária nas escolas?
- Porque é que, em vez de se prever simplesmente a possibilidade de o Estado proceder à requisição de hospitais privados, se cria uma nebulosa confusa onde, ao mesmo tempo, se admite a requisição civil mas, por outro lado, se afirma ser preferível fazer um acordo negociado?
- Qual é o serviço de saúde privado, se vier a ser requisitado, que não aproveita esta abertura do decreto do estado de emergência para ir correr aos tribunais tentar provar que o governo não negociou ou negociou de má-fé com ele e exigir, a seguir, o pagamento de uma indemnização? Isto é que é a tal segurança jurídica que, supostamente, a declaração do estado de emergência vinha trazer?
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Parece-me haver muita coisa discutível nestas decisões, mas o que mais me irritou no sábado passado foi a sentença final com que o primeiro-ministro, depois de me limitar duramente a minha liberdade pessoal, depois de me pedir mais um esforço nesta luta inglória contra o coronavírus, concluir os seus 45 minutos de declarações desta maneira:
"Quem se sente cansado não tem direito a sentir-se cansado. Tem de sentir que tem o dever de apoiar aqueles que estão a dar o melhor para tratar quem está doente. E a melhor ajuda que temos a dar é não ficarmos doentes e tudo fazermos para não transmitirmos a doença a outros. Isso implica, necessariamente, restrições e, neste momento, restrições acrescidas para as próximas duas semanas".
Caro António Costa: tirou-me o direito de sair de casa, tirou-me o direito de passear com a família, tirou-me o direito de respirar sem máscara, tirou-me o direito de ir beber um copo à noite, tirou-me o direito de tocar nas outras pessoas, tirou-me o direito de me sentar ao lado de um amigo para ver um filme, tirou-me o direito de ver futebol no estádio, tirou-me o direito de só eu saber se tenho ou não tenho febre, tirou-me o direito de reunir, tirou-me o direito da segurança no emprego, enfim, está desde março, a tirar-me, a mim e a todos os portugueses, direitos atrás de direitos.
Não faz mal, apesar de tudo, apesar de grande parte das suas medidas me parecerem exageros disparatados, aplicadas fora de tempo, compreendo a aflição e aceito de bom grado participar no esforço geral - mas, senhor primeiro-ministro, em cima disto tudo tentar ainda negar-me o direito a sentir-me cansado da Covid-19, isso já é demais!
Senhor primeiro-ministro: faça o melhor que puder e souber para combater a pandemia - mesmo se eu achar que algumas das suas medidas estão erradas, que põem em perigo a democracia. Não sou arrogante e cá estarei para, como toda a gente, as aplicar, com disciplina e na esperança de estar a favor do bem comum - mas dispenso, com veemência, lições de moral e raspanetes de mestre-escola.
E, repito, não prescindo do meu direito a estar cansado.
Nota: foi retirado do texto original este parágrafo, na sequênca do anúncio de novas exceções ao recolher obrigatório relativas a supermercados: "Como é que reduzir ao fim de semana os horários em que as pessoas podem ir às compras não vai aumentar a concentração de clientes nos centros comerciais, nos hipermercados, nas lojas? Como é que isto não aumenta gravemente o risco de contágio?"