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Tenho tanta vontade de me armar em bom (sim, outra vez...), fazer aqui uma coisa arrumadinha sobre o orçamento de Estado, a "pobreza" da Cultura, a #vergonha (alheira), o Natal consumista, sem São Nicolau, missa do galo ou madeiro comunal, mas não. Não mesmo. Vai haver tanta palavra sobre isso, tanta "partilha", tanta chuva ácida que me parece bem continuar nesta senda da palavra-título, porque não preciso de mais para me deitar a perder, deixando-vos adivinhar o que aí vem nas próximas linhas.
O que é que Zeus aconselhou a Narciso? Que este reflectisse.
E Narciso tanto o fez que, por vaidade, se afogou nas águas límpidas. Esqueçam Deus, o Diabo, Cristo (que se agora nasce, depois morre, deixando-nos na mesma). Desmemoriem os grandes líderes históricos, os maus, os bons, os anjos, os demónios. Passem borracha no Hitler, no Estaline, no Churchill, no Eisenhower, no Rommel, na brincadeira-post-mortem que lhes fizeram, enfiando todos na mesma trincheira revisionista. Olvidem o Guterres, o Barroso, o Sócrates, o Passos, o Soares, o Cunhal, o Amaral, o Eanes, o novo principe-deputado do povo (não invocarei o seu nome em vão), desaprendam a esquerda da direita, sigam em linha recta porque já não há fundo, nem céu, nem zénite ou horizonte. Ignorem o amigo, o vizinho, o irmão, a prima, o amante, a avó, a senhora simpática dos gatinhos que em casa não faz mal a uma mosca mas que dava cabo destes marroquinos e ciganos todos. Reneguem quem vos segue nas redes sociais, quem vos elogia, quem vos chateia, quem vos ofende, quem vos convida para jantar ou para algo mais...
Passem por cima do negacionista da Ditadura Salazarista, ao lado dos ventos neo-nazi. Por entre a violência doméstica confirmada por trauliteiros de Norte a Sul, do campo, da cidade. Virem o olhar para a outra face quando um ateu e um católico discutem aos gritos, cuspindo ciência e crença como se só de uma boca proviessem. Borrifem-se para quem está com Greta ou para quem lhe quer partir o mundo que é o seu brinquedo. Não liguem ao nigga cuja dama é branca, ao racista que o persegue por dentro e por fora. Esqueçam o sexo, o género, a fome, a sede, a miséria, o dinheiro não-distribuído. Esqueçam tudo.
Em 2019 precisamos apenas de saber Narciso, de sentir Narciso, de conhecê-lo, aplicá-lo. Ele é a única, absoluta verdade por trás das nossas opiniões, amores, ódios, parvoíces, conspirações, declarações, amores, ódios, memes, piadas. Tal como a Narciso só "o nós" (esse eu multiplicado por todos, dividido por cada um) é que "nos" interessa. Só nós temos razão. Oportunidade de cortar os outros com os pedaços partidos do espelho. Narciso é tudo. Tudo o que existe. Tudo o que virá. O alfa, o ómega.
Boas festas e feliz 2020. Vemo-nos no fundo do lago.