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Nasser Zefzafi nasceu em 1979, perto já do fim do ano. Tem diferença para mim de dias, mas o país onde nasceu fê-lo estar preso por ter falado, por ter reclamado um país melhor, por ter pedido obras de reconstrução, por se ter mostrado indignado com o choque da morte de um vendedor de peixe. Eu vou fazendo trabalho de semelhante natureza no meu país. Ele está preso. Eu não.
Nasser nasceu e vive na cidade de Al Hoceima. É uma cidade banhada pelo Mediterrâneo, no norte de Marrocos. Fica na região do Riff, onde fica a cidade de Tânger, que nos é mais familiar. O Riff é uma região de terra fértil, habitada por Berberes há milhares de anos. Os fenícios lá estabeleceram entrepostos comerciais. Depois das guerras púnicas, foi terra dominada pelos romanos, depois pelos árabes, depois por Espanha e desde o início da segunda metade do século XX, ficou a fazer parte de Marrocos.
Nunca foi região em que soberanos tenham investido muito para o seu desenvolvimento. O domínio foi mais sinónimo de extração. Foi mais tirar que dar.
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Em 2004 um terramoto destruiu a maior parte da cidade de Al Hoceima e o governo apenas iniciou o plano de reconstrução mais de 10 anos depois.
Em 2016, a polícia confiscou peixe-espada a um vendedor de peixe que o tinha acabado de comprar. Ao tentar recuperar o seu peixe, este vendedor subiu a um camião do lixo e foi esmagado pelo sistema de compressão do lixo. Uma testemunha disse na altura que ouviu as autoridades ordenarem que o mecanismo de esmagamento fosse ativado.
Esta tragédia levou as pessoas para a rua, motivou manifestações pacíficas onde expressaram a sua tristeza e frustração pelo arrastar dos problemas da cidade. Nasser entre outros habitantes criaram o movimento El-Rif e reclamaram melhores condições de vida. Foram milhares nas ruas. Mais de 150 destas pessoas foram presas e Nasser foi um deles.
Cansou-se da pobreza, do esquecimento, da violência policial. Cansou-se da miséria e da perseguição a um jovem de 31 anos, Mouhcine Fikri, o vendedor de peixe que perdeu a vida a tentar honestamente ganhá-la.
Nasser deu voz ao grito dos excluídos e por causa disso foi condenado a 20 anos de prisão. Está preso desde 2018 e vive numa cadeia em condições deploráveis. A sua saúde tem sofrido bastante e as autoridades têm-lhe negado os cuidados médicos de que necessita.
Nasser pediu um mundo um pouco melhor e está preso quase à vista da nossa janela.
De Vila Real de Santo António a Hoceima são apenas a 670 kms de estrada.
Tão perto, mas tão longe.
A Amnistia Internacional tem uma petição a decorrer por ele. Que de assinatura em assinatura consigamos percorrer este caminho tão curto para a liberdade.