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Era eu adolescente e via nas notícias, histórias de fábricas a encerrar no Vale do Ave. Os têxteis em Portugal eram na altura uma das indústrias que mais exportava, mas em pouco tempo, muitas fábricas encerraram e milhares de postos de trabalho foram perdidos.
A abertura do mercado europeu à China colocou estas empresas portuguesas a competir com empresas chinesas que tinham sucesso à custa de abusos de direitos humanos, abusos esses que em Portugal - apesar de muitos desafios - não se cometiam à escala daquele país.
Um salário na China era pago no equivalente a 30€ por mês, em jornadas de trabalho de 16 horas por dia. Era impossível às nossas empresas competir com isto e ter preços competitivos para concorrer com elas.
Muitas empresas no Vale do Ave conseguiram muitos anos depois modernizar-se e transfiguraram-se encontrando novos mercados e assim vão sobrevivendo de novo de há uns anos a esta parte.
O problema de princípio continua o mesmo: os governos, as empresas, os consumidores - nós todos e todas - por falta de outra possibilidade - temos no preço de um produto uma das variáveis mais importantes quando escolhemos comprar um produto e não outro.
Muitas vezes, esse baixo preço é conseguido à custa de abusos de direitos humanos e da exploração desenfreada e insustentável de recursos ao planeta.
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Rússia, Arábia Saudita, Venezuela, Angola - para citar apenas alguns países, entre muitos, em que os seus governantes se aliaram a grandes empresas petrolíferas, muitas vezes estatais ou controladas por si próprios ou familiares, e assim roubam estes recursos que pertencem a todo o povo desses países, vendendo-os e ficando com esses milhões, que são resultado dessas exportações, para seu usufruto pessoal e oligarca - no enquadramento russo do termo. É este dinheiro que não lhes custa a ganhar - a estes governantes despóticos - que os faz criminalizar e perseguir quem ouse colocar o seu estatuto de poder e controlo destes recursos em causa. São agarrados ao poder, por causa do dinheiro. É por isso que a democracia não lhes convém.
China, Bangladesh, Camboja, Índia, Indonésia, Malásia, Paquistão, Sri Lanka, Tailândia, Filipinas, Vietnam, entre outros países que conseguem vantagens económicas face à concorrência à custa de mão de obra quase escrava e algumas vezes além de escrava, também infantil.
Uma economia global que assenta na poluição, na exploração das pessoas, na extração dos recursos soberanos de um país é uma economia doente, é uma economia insustentável e assente na imposição do status quo do poder que constrói e mantém regimes e modos de viver em sociedade que só subsistem à custa de abusos de direitos humanos em larga escala.
Hoje o problema torna-se ainda evidente porque estes negócios financiam guerras: alguns países europeus querem furar as sanções à Rússia e comprar o gás e o petróleo aos oligarcas de Putin. É este dinheiro que vai financiar a guerra e os seus crimes na invasão e agressão à Ucrânia. O mesmo podemos dizer do petróleo na Arábia Saudita
É urgente que à mesa dos negócios e das relações diplomáticas internacionais estejam não só euros, dólares, libras, francos ou renmimbi, mas também coragem e exigência de valores, ética e direitos humanos.
Não estaremos apenas a construir um mundo melhor e mais justo para as pessoas que são extorquidas e exploradas nos países de onde importamos bens, não estaremos a ser cúmplices porque financiadores de criminosos de guerra, estamos também a melhorar as condições de competitividade às nossas empresas e aos bens e que elas produzem para nosso consumo e exportação.
Os direitos humanos têm de ser tidos em conta nas políticas e impostos que regulam os mercados. As empresas que respeitam direitos humanos têm de ser apoiadas. As que não respeitam, têm de ser penalizadas e taxadas.
Em última análise, é esse o desafio que hoje o mundo e em espacial a Europa vivem. Que os nossos governos saibam cumprir e saibam estar à altura do que o tempo lhes exige, porque se houvesse mais direitos humanos e sustentabilidade ambiental nos negócios internacionais, o mundo seria bem melhor.