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A Organização Mundial do Comércio (OMC) fez história duas vezes esta semana: a escolha de Ngozi Okonjo-Iweala. A próxima Directora-Geral da organização responsável pela "saúde" do comércio internacional será a primeira mulher e a primeira africana na história da OMC. Um reconhecimento duplo muito importante e que merece aplauso. A história poderia ser "apenas" esta, mas não. É, na verdade, apenas o ponto de partida para uma vida que vale a pena conhecer. O mérito de Ngozi é indiscutível e o seu currículo deixou-me sem fôlego: impressionante, diversificado e extraordinário. Na verdade, é daquelas situações em que me sinto esmagada pela qualidade, pelo que já foi alcançado e pela sua perseverança.
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Em primeiro lugar, o facto de ter estado à frente das Finanças da Nigéria por duas vezes (2003-2006 e 2011-2015), um cargo difícil, se tivermos em conta que estamos a falar do país mais populoso do continente africano (segundo a estimativa do World Fact Book cerca de 219 milhões). A vida interna deste colosso africano resulta num equilíbrio frágil, tendo em conta o seu mapa étnico, económico, religioso e linguístico. Em segundo lugar, a sua imensa experiência em matéria de desenvolvimento no Banco Mundial, onde esteve 25 anos, a sua diplomacia e inteligência emocional, e o seu empenho profundo nas campanhas de vacinação infantil.
Por último, as suas habilitações em duas das melhores universidades do mundo - a sua licenciatura em Economia, em Harvard, e o seu doutoramento em Desenvolvimento, no MIT - e as suas publicações que reflectem os seus múltiplos interesses. O seu último livro foi editado, no ano passado, em conjunto com Julia Gillard, antiga primeira-ministra da Austrália, e reúne um conjunto de mulheres que tiveram ou têm cargos políticos ou em organizações internacionais. As entrevistas vão desde Ellen Johnson Sirleaf, da Libéria, a Jacinta Ardern, da Nova Zelândia. Já encomendei e, depois de o ler, prometo voltar ao tema de fundo e título do livro: «Women and Leadership».
A escolha de Ngozi Okonjo-Iweala foi possível depois de Joe Biden ter decidido reverter o apoio da anterior administração à outra candidata, a ministra do Comércio da Coreia do Sul. Esta decisão foi muito importante, pois era a peça do puzzle que faltava para a OMC poder virar a página na sucessão do brasileiro Roberto Azevedo. No fundo, a OMC está agora formalmente equipada para dar início ao difícil, tortuoso e complexo dossier de reforma da própria organização e das regras do comércio internacional. No coração da reforma mais ampla das instituições multilaterais está a rivalidade entre os EUA e a China, tendo em conta as questões levantadas pelo "Leninismo de Mercado" (expressão de Richard McGregor) de Beijing.
Mas, ao contrário dos últimos quatro anos, os EUA estarão presentes na discussão dos problemas e na liderança desta reforma. São boas notícias para a vitalidade do comércio internacional.
*a autora não segue o novo acordo ortográfico