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"Nós, os povos das Nações Unidas, [estamos] decididos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade."
Começa assim a Carta das Nações Unidas. Foi assinada na cidade de São Francisco a 26 de junho de 1945 depois do encerramento da Conferência das Nações unidas sobre a Organização Internacional que ali estava a ser criada e que entrou em vigor em outubro desse mesmo ano.
Nascia a ONU.
A Organização das Nações Unidas tinha objetivos claros e ambiciosos: manter a paz e a segurança internacionais, desenvolver relações de amizade entre as nações e fazê-lo no respeito pela igualdade e autodeterminação dos povos, e com recurso à cooperação internacional para resolver problemas universais de caráter económico, social, cultural e humanitário. A Organização perfilava-se como o espaço por excelência para a harmonia entre as nações nesses objetivos.
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Também os princípios fundadores eram gigantes: a igualdade entre os Estados-membros, a sua boa-fé, a resolução das suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, assegurando nunca fossem ameaçadas a paz, a segurança e a justiça, não havendo lugar para o recurso à ameaça internacional, ao uso da força contra a integridade de um território ou contra a independência política de um Estado parte.
Mas depois veio a prática, e com ela, entre outros agentes de paralisação, o poder de veto dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança que elimina muitas e das mais importantes e urgentes resoluções do mesmo Conselho.
À ONU exige-se por isso hoje, mudança. Exige-se que se torne adequada ao seu propósito e ágil na sua ação.
Na próxima terça-feira, na 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas vota-se aquilo que pode ser o princípio silencioso dessa reforma necessária: a responsabilização do uso do veto.
O projeto de resolução que se vai apresentar, estipula que após a utilização do veto por um dos membros permanentes do Conselho de Segurança, a Assembleia Geral se reúna no prazo de dez dias úteis após essa tomada de posição. Essa Assembleia magna servirá para debater a situação em que o veto foi expresso, e convidará o Estado que vetou a explicar aos restantes membros os motivos da sua tomada de posição. Esta medida, para além de ser um instrumento de responsabilização, surge como uma possível solução para colocar fim ao bloqueio que o Conselho de Segurança tantas vezes provoca a qualquer ação das Nações Unidas e que é possibilitado por este interesseiro poder discriminatório da igualdade e que é utilizado ciclicamente. Estados Unidos, França, Reino Unido, China e Rússia. Algum destes cinco vota sempre contra e assim, tudo se esfuma em nada, sem mais explicações.
Esta resolução - se passar - representa um passo importante para o fortalecimento do multilateralismo na organização.
É também na próxima semana que António Guterres vai a Moscovo e, esperamos em breve, também a Kiev. Que esse seja um sinal também para que as Nações Unidas confiram mais poder de ação ao seu Secretário-Geral, o executivo da Organização. A ONU tem de ser de facto um local de diálogo, mas um diálogo que seja consequente e resoluto na construção da Paz, como muitas vezes o foi de facto. Não pode apenas ser lugar onde as Nações vão para se mostrarem desunidas e no alto dos seus egos e interesses, pouco acontecer.
Que na próxima semana, Nós, os povos das Nações Unidas, nos mostremos também decididas.
