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Os rostos e as suas histórias trágicas sucedem-se. Asra Panahi, de 16 anos, foi espancada até à morte pelas forças de segurança iranianas, na sala de aula, por se ter recusado a cantar um hino a elogiar o líder supremo. A repressão em larga escala nas escolas começou na semana passada, depois de vídeos nas redes sociais mostrarem adolescentes a recusar o uso do hijab, ao mesmo tempo que gritavam palavras de ordem contra o regime. Os mais recentes dados do grupo Iraniano de Direitos Humanos dão conta da morte de 215 pessoas, incluindo 27 crianças, durante os protestos que varrem o país desde 16 de setembro.
Numa carta aberta dirigida aos líderes ocidentais, um grupo de 77 iranianos proeminentes no exílio e ativistas de direitos humanos pede que a comunidade internacional faça mais para apoiar a luta do povo iraniano pela liberdade. Num momento raro de união entre os vários movimentos oposicionistas, repetem o apelo mais ouvido nas últimas semanas: que haja sobre o Irão a mesma capacidade de pressão e de intervenção manifestada em relação à Rússia. Por agora, a União Europeia, os Estados Unidos e o Reino Unido impuseram apenas proibições simbólicas de viagens e o congelamento de bens de uma dúzia de elementos ligados à repressão.
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Na carta são insistentes os paralelismos entre Ucrânia, país invadido por um agressor externo, e o Irão, que enfrenta um inimigo interno. Tal como são diretas as perguntas sobre as escolhas assumidas pelo Ocidente. Embora os protestos colham a simpatia da comunidade internacional, fatores como o futuro do acordo nuclear acabam por também entrar em linha de conta na avaliação ao nível diplomático.
A luta nas ruas é liderada pelos jovens e mostra gestos de desafio ao poder ditatorial. Não é uma luta de género, embora tenha na repressão sobre as mulheres um dos seus principais rastilhos. É um combate corajoso e arriscado pela liberdade. Um combate em que o preço pode ser a própria vida. Uma luta desigual mas que não desarma e nos dá, nessa persistência que já leva um mês, uma lição inigualável.
As mulheres iranianas não precisam de gestos ocos com o nosso cabelo, porque ensaiá-los é uma ofensa para quem o tema é realmente sério. Precisam que a comunidade internacional seja assertiva nas suas opções políticas. Ao contrário das nossas atitudes fáceis de solidariedade nas redes sociais, no Irão até as palavras publicadas no Instagram são medidas ou sujeitas a pressões.
Que o diga a atleta Elnaz Rebaki, de 33 anos, que competiu de cabeça descoberta no Campeonato Asiático na Coreia do Sul. Depois de amigos terem alertado para o seu desaparecimento e eventual detenção, ontem a atleta garantiu, no Insta, que está bem e explicou que o hijab tinha caído "acidentalmente". Outras atletas que no passado tiveram incidentes semelhantes alertaram, contudo, que foram forçadas a idênticos pedidos de desculpa. No Irão, qualquer tentativa de normalidade é aparência. E o silêncio com que à distância assistimos é, também ele, absolutamente anormal.
